× Capa Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livro de Visitas Contato
DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

EU TENHO ALGO A DIZER AO MUNDO


DAVELEDAVE.RECANTODASLETRAS.COM.BR


 

Em 1992, no lendário jogo transmitido pelo místico Luciano do Valle, em que o Racing perdeu de 4 a 0 para o Cruzeiro, pela Supercopa Libertadores — um torneio já extinto, com ex-campeões da competição de clubes mais famosa da América do Sul, mas transmitido ao vivo — algo chamou atenção do narrador.

 

Na atmosfera do estádio, mesmo tomando uma goleada, a torcida do Racing não parava de cantar em nenhum momento. Foi quando o narrador teve um insight:

 

eles não param de cantar, eles não param de cantar. Parece que estão querendo dizer alguma coisa para nós: “nós somos o Racing, nós amamos nosso time apesar de tudo; esse amor pelo clube é nossa marca. Cantamos e apoiamos nos bons e maus momentos, como deveria ser um bom casamento, uma relação de paixão, refletida na relação de uma torcida apaixonada com seu clube.”

 

Cantar mesmo tomando de 4 até o fim era o modo deles dizerem:

 

“nós somos o Racing Club. É isso que fazemos e queremos mostrar, comunicar nossa paixão dessa forma para todo mundo.”

 

É isso que nos diferencia como seres humanos: nossa relação incondicional com o que amamos.

 


 

EU TAMBÉM QUERO COMUNICAR AO MUNDO

E da mesma forma que os torcedores do Racing queriam dizer algo ao mundo apoiando incondicionalmente, eu, Dave, David, também quero comunicar algo ao mundo. Quero gritar as minhas paixões, o que amo, meu estilo de vida, para todo mundo, através da minha imagem e dos meus textos.

 

Não é à toa que, em O Segredo dos Seus Olhos, o bandido é pego justamente pelo seu amor incondicional ao Racing e, na perseguição histórica no Cilindro, gera uma das sequências mais belas do cinema.

 

Porque o homem pode esconder tudo — mas não pode esconder suas paixões.

 


 

A FORÇA DE VIVER SUAS PAIXÕES

Mas eu descobri que viver de acordo com suas paixões, com aquilo em que se acredita, exige muita força para ir contra a sociedade.

 

Se você é um adicto vagabundo e gosta de viver assim, mas vive dessa forma por causa do ambiente do qual faz parte e não tem escolha, a sociedade o repreenderá com os adjetivos mais ofensivos.

 

Porém, o que descobri agora é que, se você vive de modo exemplar — buscando desenvolvimento pessoal, fazendo atividade física, estudando, dieta, dormindo bem, tudo com consideração — a sociedade achará ruim da mesma maneira, mas por inveja.

 

Porque agora a minha imagem de alguém altamente eficaz e disciplinado joga na cara a incompetência das pessoas, e eu passei a ser o ambiente ruim para elas.

 

A minha eficiência mostra a falta de capacidade delas em emagrecer, ter disciplina, ser elegantes, inteligentes, fazer dieta.

 

As pessoas não querem emagrecer — querem ser emagrecidas por milagre.

Não querem estudar para aprender — querem tomar a pílula mágica da inteligência.

 

E quando aparece na frente delas alguém que, com esforço, consegue isso, é intolerável para elas. E os ressentidos de Nietzsche farão de tudo para tirar suas condições de perpetuar sua força — como aconteceu comigo esta semana.

 


 

O EPISÓDIO DO RESSENTIMENTO

Uma assistente social obesa, com mais de 40, sem capacidade de se expressar ou sequer elaborar um relatório, em vez de ajudar o beneficiário, trabalhou corporativamente para eliminar os direitos desse beneficiário, movida pelo ressentimento dos fracos.

 

E o próprio coordenador do programa comunica meu desligamento arbitrário usando um moletom — eu, que vou para a capacitação me trajando dessa forma:

 


Essa é uma camisa da Dudalina, mas não é que eu me vista assim ocasionalmente. A minha elegância e distinção fazem parte do meu comportamento basal.

 


 

A DUDALINA COMO TESTEMUNHA DO TEMPO

O fato de eu usar uma Dudalina no curso, uma camisa de grife que na época custava mais de 300 reais — e que hoje deve valer mais do que o dobro — mostra várias coisas: a qualidade da peça, a preservação das minhas coisas e a minha forma física.

 

Com 33 anos, ainda visto uma roupa que adquiri aos 21, o que simboliza minha trajetória de vida. Tão jovem já havia comprado algo marcante, e hoje essa mesma camisa prova minha força de vontade para manter um físico melhor e mais saudável do que há dez anos.

 

Eu sou magro, não porque usei drogas ou fiquei doente, mas porque fiz dieta, me esforcei, pratiquei atividade física com consistência e caminho 24 mil passos por dia.

 

É com esse corpo seco, abaixo de 10% de gordura, que me sinto bem, mesmo que alguns possam achar que estou “seco demais”. Talvez sim, mas essa é minha escolha.

 

O próximo passo é aprender a ganhar massa muscular sem perder essa condição que me fortalece. Step by step.

 

A média do meu comportamento é que chama atenção: já é muito acima da média. E quando eu quero me esforçar, então, viro totalmente fora da curva.

 

Mas, para os fracos, os ressentidos, observar a minha imagem já é intolerável.

 


 

MINHA PRESENÇA É SUFICIENTE

E olha que eu falo o menos possível justamente para não chamar atenção, e só falava quando era perguntado. Mas só a minha distinção e superioridade inata, sem falar nada, já era suficiente para gerar desconforto.

 

“Como pode alguém que ganha um salário mínimo se vestir dessa forma?

Como pode comer toda semana em cafés caros em vez de tomar o café que oferecem?

Quem ele pensa que é em ser sócio do Palmeiras?

Almejar um iPhone Pro Max?

Ser erudito vindo da periferia, especialista em James Joyce, Shakespeare, Nietzsche, Kafka? Ele não sabe o seu lugar?

 

E ainda quer ser cinéfilo, ficar citando nesse momento filmes que ninguém viu, cineastas europeus, asiáticos, indianos, iranianos?

Assinar o Mubi sendo beneficiário?

Ter YouTube Premium, Deezer, comer arroz negro, tomar bons cafés na Paulista e ir ao cinema às terças-feiras?

 

Enquanto nós, burocráticos, trabalhamos e continuamos ignorantes e indistintos?

 

Não, isso é intolerável. Tirem o direito dele arbitrariamente, sem motivo técnico ou impessoal. Personalista, como diria Sérgio Buarque de Holanda.”

 


 

EU SOU UM CORPO SEM ÓRGÃOS

Eu sou um corpo sem órgãos, uma força pura.

 

Os corpos são conservadores e tentam a homeostase para se manter no equilíbrio. Mas o corpo sem órgãos vai além da conservação dos órgãos.

 

E isso incomoda. Essa leveza no ser. Essa sabedoria do saber desfrutar. Esse bom vivant, de ter bom gosto, de saber escrever e se expressar.

 

Dizem que é um dom que Deus me deu, mas é também uma maldição, pela inveja que gera.

 


 

LUTERO, NIETZSCHE E DELEUZE

Mas não é porque as pessoas não brilham que eu deveria brilhar menos.

 

Como diz Lutero, na frase que Nietzsche gostava de repetir:

“Aqui estou eu, eu não posso agir de outra forma.”

 

No final, deixo um parágrafo de Anti-Édipo, em que Deleuze fala do passeio de Lenz, assim como as caminhadas que eu faço diariamente, que resumem o porquê gosto de andar ao ar livre e por que caminhar me faz tão bem, para minha potência:

 

[I.1.1. Passeio do esquizo]

O passeio do esquizofrênico: eis um modelo melhor do que o neurótico deitado no divã. Um pouco de ar livre, uma relação com o fora. Por exemplo, o passeio de Lenz, reconstituído por Büchner. É diferente dos momentos em que Lenz se encontra na casa do seu bom pastor, que o força a se ajustar socialmente em relação ao Deus da religião, em relação ao pai, à mãe. No seu passeio, ao contrário, ele está nas montanhas, sob a neve, com outros deuses ou sem deus algum, sem família, sem pai nem mãe, com a natureza. “O que deseja meu pai? Ele pode oferecer-me mais? Impossível! Deixem-me em paz.”

Tudo compõe máquina. Máquinas celestes, as estrelas ou o arco-íris, máquinas alpinas que se acoplam com as do seu corpo. Ruído ininterrupto de máquinas.

Ele “achava que deveria ser uma sensação de infinita felicidade ser tocado assim pela vida primitiva de toda a espécie, ter sensibilidade para as rochas, os metais, para a água e as plantas, captar em si mesmo, como num sonho, toda criatura da natureza, da mesma maneira como as flores absorvem o ar com o crescer e o minguar da lua”.

Ser máquina clorofílica ou de fotossíntese ou, pelo menos, enlear seu corpo como peça em tais máquinas. Lenz se colocou aquém da distinção homem-natureza, aquém de todas as marcações que tal distinção condiciona. Ele não vive a natureza como natureza, mas como processo de produção. Já não há nem homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um no outro e acopla as máquinas. Há em toda parte máquinas produtoras ou desejantes, as máquinas esquizofrênicas, toda a vida genérica: eu e não-eu, exterior e interior, nada mais querem dizer.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 30/08/2025
Alterado em 30/08/2025
Comentários