Ela mesma me disse: apesar de bela e inteligente, sua carência a levou a aceitar como parceiro um homem vinte anos mais velho, de aparência e conteúdo anodino, sem recursos financeiros.
Um sujeito daqueles que se distinguem dos mortos apenas pelo fato de o coração ainda bater — e com uma “elegância” de quem se veste apenas para não andar nu.
Quando ela me contou que abriria mão desse relacionamento por minha causa, não percebi aquilo como elogio, mas como insulto.
Disse que sofreu ao terminar com esse “companheiro”. Companheiro, não namorado. Nem mesmo “meu amor”. Apenas um título frio, burocrático — igual a um camarada de luta de classe. Nem o Lula chama Janja de “companheira”, penso eu.
Aceitar esse tipo de parceiro, apesar de sua beleza, revela uma incapacidade de lidar com a solidão que é inefável.
Ela então encontrou alguém “melhor”: um Sérgio Morinho do Direito, que estudou tanto que, aos 22 anos, ainda era virgem, BV.
Não por aparência ou falta de conteúdo, claro, mas por dedicação obsessiva aos livros. Quando pedi ajuda a ela num caso delicado, preferiu antes me contar que tirara dele tanto a virgindade de beijo quanto a peniana.
Disse ainda que, ao primeiro beijo, ele teve uma ereção. Ora, isso eu até entendo, já que também tenho ereções apenas pensando nela sem jamais beijá-la. Só não entendi por que achou que esse detalhe íntimo seria do meu interesse.
Mais tarde, relatou que fizeram amor nas dunas. Que estava apaixonada pela inteligência dele — “inteligência magnatizante”.
Li um conto escrito por ele, que ela me mostrou. A tal inteligência não me pareceu mais do que um exagero dela.
Porque inteligência de verdade se impõe: é torrencial, como água que inunda uma cidade. Não é invisível. Não precisa de títulos, nem da pose de jurista medíocre na curva de Gauss, com domínio de juridiquês.
E é tanto “amor” e tanta “genialidade” que ela sente pelo parceiro, que ele nem sequer comenta na página dela no Recanto das Letras, nem faz questão de lê-la. Pior: é tão “genial” que não tem a capacidade de contribuir com absolutamente nada a respeito.
É a morte da linguagem: as pessoas já não conseguem mais falar, nem comentar, apenas despejam emoticons. E, ainda assim, as mulheres chamam esse tipo de homem de dono de uma “inteligência magnatizante”.
Mas comparado ao parceiro anterior… até que “melhorou”.
Quando sugeri encontrá-la um dia, disse que não queria que eu a colocasse em dilema.
Nesse meio tempo, agora que estou em um limbo afetivo, sem amar ninguém, vi a foto dela e pensei em encontrá-la pessoalmente.
Achei-a tão bonita que, alinhada à sua genialidade, sua companhia seria um verdadeiro prazer. Vislumbrei, verdadeiramente, sairmos juntos, sermos algo além de amigos, quem sabe coloridos, ao menos.
Tentei comunicar isso a ela. Mas, desta vez, não foi apenas hesitação: ela me repeliu.
Negou-me até a liberdade de uma brincadeira inocente, mesmo quando apenas repeti que gostaria de conhecê-la pessoalmente.
Como Kierkegaard escreve no Diário de um Sedutor, as mulheres, por medo da solidão, fazem coisas idiotas: se relacionam com o primeiro que aparece, e no fim não sabem se ganharam ou perderam.
Depois não entendem por que não chegam ao orgasmo. Não é culpa do homem, mas delas mesmas, pela escolha do homem errado.
Em Thelma & Louise, depois de um relacionamento abusivo, Louise teve sua primeira noite de prazer verdadeiro nos braços do personagem de Brad Pitt. No dia seguinte, acordou sorridente, renascida.
Muitas mulheres já tiveram relações sexuais, mas continuam virgens de verdade. Nunca gozaram. Nunca se entregaram.
Eu me apresentei como o Brad Pitt que faria ela sorrir no dia seguinte. Mas ela preferiu me bloquear — e abraçar seu Sérgio Morinho brilhante, virgem, BV, tão elegante e distinto quanto um fantasma engravatado.