Falam no popular que “falar” até papagaio fala. Essa expressão implica que o falante fala sem maiores preocupações com as consequências de sua fala, sem maiores cobranças.
Agora, quem age além de falar, esse sim sofre as consequências imediatas de sua ação.
Porém, falar seria um primeiro passo para a ação. Um motivo para agir.
Uma promessa comigo mesmo.
Uma meta.
Um compromisso antes do gesto.
É o estímulo anterior ao afeto, ao sentimento e ao pensamento — para falar, como Espinosa.
Ainda sobre Espinosa e amarrando o tema: ele é o maior filósofo holandês de todos os tempos, talvez o maior do século XVII.
Viveu tragicamente feliz, acreditando no seu próprio pensamento, que ia contra o dogmatismo cristão da época. Foi inexoravelmente e covardemente perseguido pela Igreja, mas, pela fidelidade à sua filosofia, morreu pobre e doente, como mero polidor de lentes de óculos, cuja poeira destruiu seus pulmões.
Há aí um simbolismo poético: o filósofo justamente é aquele que pole as lentes para que os outros enxerguem melhor. Espinosa morreu assim, fiel à sua convicção.
Do mesmo modo Sócrates — como lemos na Apologia de Sócrates de Platão — que de bom grado bebeu a cicuta.
Espinosa, que tinha origem lusitana mas viveu na Holanda, é também um símbolo disso: o filósofo, como diria Nietzsche, é um apátrida, não pertence a nenhuma nacionalidade.
É com essa fidelidade espinosiana, seguindo o nomadismo nietzschiano, que me sinto imbuído do espírito de que alcançarei o máximo da minha potencialidade apenas fora do Brasil.
Foi assistindo ao canal de games de um dos pioneiros e mais famosos do Brasil, BRKsEdu — que nem me conhece, mas que considero um amigo por ter me feito companhia em momentos difíceis — que percebi algo.
Gostar e torcer pela família dele, pela pequena Sapeca, sua esposa, sua filha de sete anos (palmeirense apesar dos pais serem “bambis”) e seu filho recém-nascido, que viviam no Canadá, em Hamilton, mas decidiram se mudar para um local mais aprazível na costa oeste, em Vancouver.
Fugindo das intempéries e buscando uma vida melhor, escolheram criar os filhos em um ambiente mais digno, mesmo que isso implicasse em perder parte dos recursos materiais conquistados com esforço. Preferiram, em troca, dias mais agradáveis para a subjetividade.
Ora, esse tipo de sabedoria e privilégio não é dado a qualquer um. Mas ao me deparar com esse tipo de decisão, tenho certeza de que sigo as pessoas certas na internet.
Ao ver a vida deles no blog Pequeno Sapeca, vi a vida que quero viver — e que está longe do Brasil.
Eu não quero criar meus filhos neste país, sob estas influências tupiniquins e afetos. Quero que meus filhos cresçam em um lugar bucólico, civilizado, idílico.
E num plano mais simples: não quero mais fazer minhas caminhadas de 24 mil passos nas ruas esburacadas da periferia de São Paulo. Quero respirar o ar puro de Vancouver, com ruas limpas, sem fios expostos, calçadas retas, cidadãos exemplares, sem lixo espalhado.
A poluição visual e sonora, o lixo nas ruas, o barulho, a falta de respeito — tudo isso, que vejo diariamente durante minhas caminhadas, prejudica minha fisiologia e diminui minha potência.
Mudando de país, sepulto de vez os fantasmas do meu passado e enterro os afetos negativos que obstruem meu progresso.
É isso que buscarei. Minhas economias e pensamentos, doravante, estarão focados em como um homem solteiro pode migrar e viver no Canadá, conquistando uma vida digna e confortável.
Por enquanto é uma convicção, uma certeza apenas na fala.
Mas a fala é o movimento anterior à ação.
Se em algum lugar a felicidade me espera, minha Ítaca não é no Brasil. Está fora daqui.
Talvez no Canadá, em Vancouver. Talvez no Japão. Talvez na Suécia. Mas, com certeza, alhures.