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Para Espinosa, o orgulho é o aumento da nossa potência de agir devido a uma alegria que nós identificamos em nós mesmos.
O estoicismo, muito em voga na filosofia de senso comum, disseminado por coaches e tantas vezes desvirtuado, nesse sentido se revela no saber identificar em mim os fatores que aumentam minha potência de agir através do orgulho, ao mesmo tempo em que me distancia dos afetos negativos que me afastam de sentir orgulho de mim mesmo.
Meu repertório comportamental e intelectual, adquirido com estudos e dedicação a atividades intelectuais, minha capacidade cognitiva de pensamento amplo, de vocabulário rico e de lidar tanto com problemas concretos da vida quanto com dilemas abstratos, são fonte legítima de orgulho.
Mas, para não me enganar quanto a esse afeto, é preciso lembrar o contrário: aquilo que Espinosa chamou de humildade. Não a humildade cristã celebrada como virtude, mas a humildade enquanto tristitia — uma tristeza nascida da contemplação da própria impotência.
Se o orgulho me faz experimentar o aumento da potência de agir, a humildade espinosana é a sombra que o espelha: a diminuição da minha potência quando me percebo incapaz. Portanto, é um afeto triste, um erro da alma, um veneno que mina a força de viver.
Entre orgulho e humildade não há conciliação possível: um é a celebração de si, o outro é a negação de si.
Como no problema que tive nesta semana: uma imposição arbitrária e injusta do mundo ao tentar cancelar meu benefício, que patrocina este momento de recuperação da vida, sob o argumento de que eu não teria me adaptado ao programa. Isso, apenas porque denunciei o abuso e a deturpação de um programa do governo que vinha sendo usado para suprir lacunas do funcionalismo público.
Os responsáveis não solucionaram o problema que revelei, mas preferiram empurrar a questão para debaixo do tapete e ainda eliminar quem fez a acusação.
A dor da injustiça não é menor do que a cena de Selma decapitada, em Dançando no Escuro de Lars von Trier. Mas, diante desse infortúnio da vida, eu não me resignei. Porque a vida simplesmente é. O conceito de justiça, afinal, é humano.
Usei minhas capacidades para reverter a situação em meu benefício. Por enquanto, consegui remediar. Mas o estoicismo não é apenas a resiliência de suportar o mundo, apesar de seus ataques, e voltar ao estado original antes do problema.
É mais do que isso: é não culpar o mundo pela injustiça, e sim usar minhas capacidades para torná-lo um lugar mais justo — primeiro para mim mesmo, depois para aqueles que amo e, se possível, para todos.
No nível que alcancei, não posso pedir ajuda a ninguém, porque ninguém melhor do que eu mesmo pode resolver meus problemas. Sou o último da fila, sem ninguém a quem recorrer. Ao contrário: são os outros que pedem ajuda a mim.
E isso é fonte de orgulho. Isso foi conquistado.
Como disse Sartre: ao agir e exercer minha liberdade, eu não escolho apenas por mim. Eu defino, ao mesmo tempo, as condições da sociedade em que quero viver.