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Da mesma forma que eu defini a fantasia como um objeto cuja realização — ou não — independe da minha satisfação sexual, do mesmo modo o amor, vivenciá-lo ou não, independe para a minha felicidade.
Porém, da mesma forma que sei que realizar uma fantasia provavelmente me deixaria ainda mais feliz, assim também é minha relação com o amor.
Se Platão e Freud têm razão — que o amor sempre tem a ver com uma falta e que, logo que tenho o objeto do meu amor, a presença dissipa o sentimento — então o amor é sempre pela mulher do outro, aquela que ainda me falta e não é minha.
E quando o amor se concretiza, ele é algo completamente outro…
Então ainda amo a pessoa que me falta. Agora, se ela me ama, eu ignoro totalmente.
Se o amor é também uma relação de força, e há pessoas que transpõem barreiras intransponíveis pela motivação do amor, então é provável que o amor que ela sinta por mim não seja… algo que demorei um tempo para perceber.
Eu sei, entretanto, que o benefício que seu amor faria na minha vida também seria recíproco para a dela.
Por exemplo, me pouparia muita energia no dia a dia.
Como eu saio muito, às vezes garotas e mulheres se aproximam a uma distância convidativa — um convite ao diálogo — que eu nunca sei se minha ausência de coragem para realizá-lo é respeito pelo espaço da moça ou covardia, e, na verdade, frustração para ambas as partes.
Fato é: se eu namorasse, eu sequer precisaria me preocupar com essas questões do dia a dia.
Muito embora, se eu namorasse, talvez a pessoa não aceitasse essa minha fluidez no ser — de estar sempre em movimento e constante transformação, como o rio de Heráclito.
O fato de eu ter uma pessoa talvez me deixasse mais estático, mais “paradão”, e muitas das experiências que aprecio nessa leveza não me seriam mais permitidas, pelo menos sozinho.
É impossível outra pessoa me acompanhar na minha rotina diária.
Mas eu acho que essa rotina que dei a mim mesmo é justamente para não ter que lidar com a total ausência de amor na minha vida.
Quer dizer: o amor philia, de Aristóteles — que se alegra na presença da pessoa amada — e o eros de Platão — da falta — não só sinto como carrego comigo para onde vou.