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Na passagem “A Visão e o Enigma”, Zaratustra sobe uma montanha, e sobre suas costas repousa um anão.
É então que ele se dá conta: o anão é um peso. Um símbolo do niilismo, dos valores morais herdados, daquilo que trava a ascensão. Zaratustra, lúcido, se volta para ele e indaga: “Anão, ou eu, ou tu.” E o abandona ali mesmo.
Zaratustra tem uma retórica ativa. No início do livro, tenta pregar seus ensinamentos a todos.
Depois, percebe o erro: não se deve falar aos mortos. É preciso ensinar apenas àqueles que têm ouvidos para o novo.
Mas mesmo essa retórica — Zaratustra admitiria — é expressão de uma vontade de potência, que sempre quer influenciar o outro. Sempre quer crescer.
Nesse sentido, embora Zaratustra critique os gurus, ele próprio é um guru — à sua maneira. Uma versão arquetípica daquilo que, hoje, seriam chamados de coaches.
Os fracos — os niilistas, sejam ativos ou passivos — nada sabem sobre o bem e o mal. Seguem uma moral de rebanho, apenas repetem valores pré-estabelecidos, anunciados por outros: gurus, coaches, figuras de autoridade.
Porque eles mesmos não têm força nem capacidade de criar novos valores e viver de acordo com eles.
Já eu, prefiro filtrar tudo o que escuto.
Passo cada palavra, cada ideia, pela minha peneira de qualidade, para extrair apenas o sumo de cada pensamento.
A passagem de Zaratustra me toca.
Sim — eu também prefiro subir a montanha leve. Mas acrescento: há pessoas que valem a pena carregar nas costas.
Para essas, eu diminuiria meus passos. Esperaria.
Se necessário fosse, carregaria até o topo:
a família que eu tiver,
meus filhos,
a mulher que eu decidir amar.
Porque o cume não vale nada se não houver comunhão lá em cima.
Há um momento na vida em que você olha para trás — e não há ninguém a quem pedir ajuda.
Porque você é o último da fila.
Você é a ajuda.
É a você que os outros virão quando tudo parecer desmoronar.
Esse é o grau máximo da evolução pessoal.
Você já adquiriu experiência, repertório, conhecimento.
Já não há ninguém mais apto que você para resolver determinados problemas.
Você os resolve.
Você é o adulto responsável.
Você governa — não é governado.
As crianças erram.
Os adultos resolvem.
E agora, você é adulto.
Quando era criança, falava como criança.
Agora, deve agir e ser o adulto.
Essa é uma responsabilidade enorme.
Mas também é um poder imenso.
Você é como o personagem de Harvey Keitel em Pulp Fiction.
O solucionador.
Aquele que resolve problemas.
A quem se recorre quando a situação aperta.
Pelo amor de Deus — não seja a criança que cria problemas que os outros terão de resolver.
Você é a solução.
Assim falou David, que escutou Zaratustra — e o reinterpretou à sua maneira.
Quem sabe não somos apenas dois coaches atuais,
em tempos diferentes,
fazendo o mesmo chamado.