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Em um plano fechado, como num filme de Godard, a câmera repousa no rosto da professora. Seus olhos acompanham atentos, mas sua expressão… denuncia rubor, desejo e vertigem.
A pergunta ecoou suave na sala:
— Se você fosse uma flor, qual seria?
Foi feita por ela — aquela pequena e bela professora, voz de porcelana, olhos que sabiam mais do que diziam.
Chegou minha vez. Respirei fundo:
— Gosto do simbolismo da orquídea. Esse dualismo entre o selvagem e o delicado. Há nela uma androginia que me fascina: o masculino contido no feminino, a força na fragilidade. E a beleza rara — florescendo mesmo nos terrenos mais impróprios, quando cuidada com zelo.
Terminei de falar.
Ela tentou recuperar o fôlego. Gaguejou, suspirou, balbuciou:
— É… eu gosto muito da orquídea também… essa coisa entre o delicado e o selvagem…
Eu pude sentir. Algo nela se rompeu.
Umedecer-se não é só fisiologia: é também contraste. Era o rosto que ardia e a postura que encolhia. A cadeira virou abrigo do seu pudor. E eu nem precisei tocá-la.
Poderia ter sussurrado em seu ouvido.
Poderia ter usado as mãos para pontuar minhas palavras como quem desenha rotas num mapa oculto — meu corpo, a bússola; minha boca, o compasso.
Mas não. Apenas palavras. Apenas símbolo.
Naquela noite, ao chegar em casa, seu marido não lhe deu orgasmo.
O deleite foi meu. O gozo foi dela. E tudo começou com uma flor.