Como a metáfora do rio de Heraclito — de que somos sempre outros, e de que a única constante é a mudança — quando eu leio um livro pela segunda vez, meu entendimento é outro. Porque eu já sou outro.
Tudo depende do meu momento atual.
Minha força no momento, com o contato dela com o mundo exterior, muda totalmente a minha perspectiva sobre ela.
Ecce Homo, justamente um dos livros mais controversos de Nietzsche, atualmente é o que mais conversa comigo.
Nele, encontramos a ideia de que organismos que são predominantemente fortes — mesmo quando estão fracos — provam sua força encontrando em si mesmos a capacidade de se curar.
E foi isso que fiz.
Quem vê os meus escritos do começo de janeiro e os contrasta com os de agora — minhas imagens e produção de antes e depois — percebe nitidamente o contraste de forças e de aparência.
Símbolo do meu 11% de gordura corporal — tão tênue atualmente quanto a própria gordura — é a linha de coerência entre o que falo e o que faço.
Não há diferença entre meu discurso e minha vida.
Diferentemente de antigamente, quando eu falava uma coisa e vivia outra.
A capacidade de agir coerentemente é, no cérebro, a última área a se desenvolver.
E é o que, de fato, nos separa dos animais — que, como diria Rousseau, agem como se tivessem um software programado de fábrica e não conseguem ir além disso.
A racionalidade do homem — o córtex pré-frontal — pode ser definida como a capacidade de tomar decisões difíceis quando são o melhor a ser feito, avaliando as consequências do nosso comportamento.
Treinar. Comer verduras. Abandonar vícios e prazeres fáceis como álcool, drogas ou alimentos hiperpalatáveis.
Isso é difícil. Mas é o certo.
E quem dita isso são sujeitos com o córtex pré-frontal bem desenvolvido.
Justamente quando nos deixamos levar por vícios e prazeres hedonistas, nosso pré-frontal diminui.
É por isso que, sob efeito de álcool e entorpecentes, ficamos mais desinibidos e inconsequentes.
Símbolo disso é o caso de um sujeito que teve o córtex pré-frontal atravessado por uma barra de ferro. Não morreu — ficou lúcido.
Mas passou de um sujeito pacato e educado para um porra-louca hipersexualizado que passava a mão em mulheres na rua.
Claro. Ele perdeu a capacidade do pré-frontal.
E essa capacidade é plástica.
Ela pode ser treinada.
Quanto mais tomamos decisões corretas, difíceis, racionais — mais a fortalecemos.
E também pelo nosso repertório comportamental: a leitura…
E, principalmente, a escrita.
Escrever é colocar o sentimento no papel e refletir.
O pré-frontal controla a amígdala cerebral — que é o centro do nosso medo, culpa, vergonha.
Você vê: tudo é material.
Embora a psicologia fale em superego, ego e id — tudo não passa de sinapses cerebrais.
Tudo isso para voltar à tese do título.
Se conhecemos uma pessoa enquanto estamos enfraquecidos — sob o ponto de vista da doença e sem o uso pleno do córtex pré-frontal — será que não a avaliamos mal?
Será que nossos instintos ruins da época não nos fazem superestimar uma pessoa… ou confundir o que sentimos por ela com amor?
Será que um amor surgido nessa época pode ser, de fato, amor?
E quando recuperamos nossas forças? Quando nosso pré-frontal volta a resistir e pesar o valor das coisas?
Será que conseguimos estimar melhor?
Porque — como o rio de Heráclito — somos outros.
Outros do ponto de vista da força anímica, da lucidez, da vida.
O quando vejo os comentários de janeiro de pessoas dizendo que eu só escrevia desgraça, eu me pergunto:
Como está a vida de quem disse isso de lá pra cá?
Será que evoluiu tanto quanto eu — fisicamente, emocionalmente?
Será que aprendeu coisas novas como hipertrofia, neurociência, nutrição, desenvolvimento pessoal?
Ou será que ainda vive a mesma vidinha mediana de sempre, enquanto eu não apenas falei que iria mudar…
Mas mudei.
E estou mudando — de fato.
Até quando podemos levar em conta um sentimento nascido sob o ponto de vista do doente?
Até quando insistiremos em chamar de amor aquilo que, talvez, tenha sido apenas uma alucinação neuroquímica do nosso momento mais fraco?