Ovídio, em seu célebre Remedia Amoris, escreveu sobre os remédios contra o amor — uma espécie de manual lírico de como se curar da paixão. Embora tenha deixado contribuições poéticas valiosas, o tom de sua escrita muitas vezes transita entre o cômico e o vulgar, entre o consolo e a manipulação.
Dois milênios depois, com o avanço das neurociências, da psicologia comportamental e da filosofia materialista, é possível oferecer uma nova versão, mais realista e pragmática, sobre o que seria, de fato, um “remédio” para o amor, e não panacéia.
O sofrimento por um amor perdido é uma das maiores provas empíricas da ilusão do livre-arbítrio. Se ele de fato existisse como o senso comum acredita, bastaria decidir “parar de amar” e pronto: a dor cessaria.
Mas quem já passou por isso sabe — não funciona assim.
O sujeito que sofre por amor está neurologicamente capturado. Seus circuitos de dopamina, serotonina e ocitocina estão desregulados. O cérebro interpreta o fim de um relacionamento como a perda de uma fonte vital de recompensa. A abstinência da pessoa amada se assemelha à de um viciado privado da sua substância.
Na psicologia comportamental, trata-se de uma questão de repertório.
Quem tem poucas fontes de prazer e propósito fora da relação amorosa — poucos hobbies, projetos, áreas de desenvolvimento pessoal ou intelectual — tende a sofrer mais intensamente. A razão é simples: perdeu o único estímulo que sustentava sua identidade emocional.
Nesse sentido, o amor mal regulado funciona como um vício emocional. E, como nos vícios, o sofrimento pela ausência só pode ser superado com substituição de contingências reforçadoras — ou seja, encontrando outras fontes reais de prazer, valor e estrutura.
Há uma dimensão brutal, mas necessária de ser dita: enquanto você sofre, a outra pessoa pode estar seguindo em frente. Talvez com outro amante. Talvez em paz. Talvez feliz.
E quanto mais você estaciona na dor, maior o contraste entre a sua paralisia e o progresso do outro. Isso não só fere o ego — como fere o senso de valor existencial. E se o seu mundo se apequenou e o dela se expandiu, a comparação se torna uma tortura silenciosa.
A única forma de quebrar esse ciclo não é se vingar, nem competir. É transmutar a dor em ação concreta, silenciosa, ascendente — rumo à sua melhor versão possível dentro das suas circunstâncias e possibilidades reais.
Sim, você pode analisar a outra pessoa. Os amigos dela. O ambiente em que ela vive. O estilo de vida. O tipo de atenção que recebe. Tudo isso pode ser fonte de aprendizado. Mas há uma linha tênue entre a análise estratégica e a ruminação autodestrutiva.
Se a vida dela for muito melhor que a sua, você sente que perdeu. Mas há um paradoxo: se você já sente que não tem nada a perder, então você é livre. E quem é livre pode renascer.
Esquecer, no fundo, não é apagar — é superar a necessidade.
Não é anestesiar — é ressignificar.
Não é fingir que não doeu — é agir apesar da dor.
A cura para o amor não está em outro corpo, nem em negação romântica, mas em um novo projeto de si, fundado na ação, na disciplina e na lucidez.
Funciona? Para mim, sim. Não porque apagou a dor. Mas porque transformou o sofrimento em trilha — e a falta, em força.