Da mesma forma que muitos agem pelo prazer, o que mais nos motiva é o medo. O medo é uma resposta fisiológica necessária à sobrevivência e à adaptação — assim como o estresse.
O problema é que nosso ambiente contemporâneo pós-moderno não é mais o mesmo para o qual essas ferramentas foram moldadas. Medo e estresse foram selecionados à luz da evolução em um contexto de selva, escassez, luta, fuga. Hoje, o homem se vê envolto nesses mesmos instintos… mas do conforto de um condomínio pago pelos pais.
O medo, nesse novo cenário, é uma variante da ansiedade. Ele se relaciona com uma breve queda de serotonina — o hormônio homeostático que sinaliza que tudo está bem.
A queda indica preocupação com o futuro. Muitas vezes relacionada à escassez de recursos para sobrevivência. Outras vezes, ao temor de voltar a um estado de entropia vivido no passado.
Em outras palavras: é o avarento judeu que poupa seus recursos — não por ganância — mas por medo. Como ensina a ética protestante analisada por Weber.
O medo pode ser imaginado. E se existe sucesso, ele está em transformar esse medo em combustível.
Sem medo, você não tem motivação real para o futuro. Quem tem medo trabalha, planeja, guarda, se antecipa — para ter ferramentas diante da fortuna e do caos. Para enfrentar doenças, imprevistos, perdas — próprias ou de quem se ama.
Existe ainda o medo da entropia ligada ao passado: o receio de regredir para um estado de menor potência.
Como diria Espinosa, o conatus é a tendência do ser de perseverar no próprio ser. E é justamente o medo — gerado pelo ambiente — que acende essa força silenciosa.
Determinação, já dizia no Undertale, é a essência que permite salvar almas humanas — do medo, por exemplo.
Ela é o que nos impede de sucumbir. É o que nos resta quando tudo está escuro. É o que permanece quando nada mais se move.
Mas esse impulso não é livre. É químico.
Do ponto de vista neuroquímico, falar em livre-arbítrio é o mesmo que dizer que alguém é livre para não sentir dor.
É como dizer que alguém com Alzheimer é livre para não esquecer. Que um diabético é culpado por não produzir insulina. Que eu sou culpado por sofrer de amor não correspondido.
Que um viciado é viciado por escolha. Que ele só precisa “tomar vergonha na cara” e procurar um emprego.
Como se fosse simples assim: usar o “livre-arbítrio” e mudar seu estado de coisas. Pura ignorância das causalidades.
O que há são sinapses. Pensamentos necessários. Impulsos moldados pelas contingências do ambiente. Uma série de causalidades quase sempre invisíveis.
O mais comum é a confusão entre causas e efeitos. Atribuímos efeitos a causas imaginadas.
Explicamos enfermidades com frutos proibidos e espíritos malignos. Tragédias com punições divinas. Catástrofes com a ira de um deus.
E no campo prático, explicamos o emagrecimento com uma dieta — como se o mundo real funcionasse com manuais de autoajuda.
Nietzsche já ironizava isso em Crepúsculo dos Ídolos. Ele cita Cornélio, autor de um best-seller da sua época, que escreveu sobre os “milagres” da sua dieta.
Mas a causa real era outra: incapacidade de ingerir mais alimentos, metabolismo acelerado — e não qualquer genialidade alimentar.
Tudo é necessário. E no máximo, o que podemos fazer é cultivar a ingenuidade de que influímos sobre o ambiente.
De que temos algum poder para criar as melhores causalidades possíveis para nós mesmos.
Talvez seja só isso o que temos: a ilusão de algum controle. E, paradoxalmente, é essa ilusão que move o mundo.