DAVELEDAVE.RECANTODASLETRAS.COM.BR
Um exercício de masoquismo: foi isso a que me submeti ao acessar o Twitter de Jair Bolsonaro.
Minha constatação não foi novidade, apenas reafirmação: a indigência cognitiva do seu pensamento é perceptível não só pelo conteúdo ideológico empobrecido, mas também pela forma como ele atenta contra a língua portuguesa — da mesma maneira com que afronta o Estado Democrático de Direito.
Notem, por exemplo, o uso tosco e errado do pronome relativo de lugar como se fosse um de referência, do tipo “o qual” ou “no qual”. Um vício comum entre pessoas sem o hábito de ler, estudar, refletir — e que, mesmo ignorantes, tentam “falar bonito”. O resultado é constrangedor.
É incrível como tantas pessoas tentam parecer sofisticadas usando pronomes relativos diferentes de “que”, mas acabam apenas sendo parvas.
O pronome relativo mais maltratado da língua portuguesa é “cujo”. Gente que tenta bancar o culto coloca artigo na frente (“cujo o filho…”), ou se esquece da concordância nominal e da preposição implícita.
❌ “Esse é o homem cujo o filho foi preso.”
✅ “Esse é o homem cujo filho foi preso.”
“Cujo” já carrega o valor de posse e substitui uma preposição. Ele concorda com o substantivo posterior (o possuído), não com o antecedente. Assim, se for “filha”, a frase correta seria:
✅ “Essa é a mulher cuja filha foi presa.”
Agora, veja um exemplo em que “cujo” é corretamente antecedido por preposição — e o erro grotesco que muitos cometem:
❌ “Esse é o partido político cujas as ideias não concordamos.”
✅ “Esse é o partido político com cujas ideias não concordamos.”
• A preposição “com” é exigida pelo verbo “concordar”.
• “Cujas” já está concordando com “ideias” (feminino, plural), então o artigo é redundante e gramaticalmente incorreto.
A mesma aberração acontece com o pronome relativo “o qual”, que deve concordar em gênero e número com o antecedente.
Tomemos o Leandro Twin, por exemplo — marombeiro conhecido que não machuca só os músculos pra hipertrofia, mas também o português.
❌ “Esse é um exemplo a qual será benéfico pra você.”
✅ “Esse é um exemplo o qual será benéfico pra você.”
• “O qual” (masculino singular)
• “A qual” (feminino singular)
• “Os quais” (masculino plural)
• “As quais” (feminino plural)
Assim, frases corretas seriam:
✅ “As medidas às quais me referi.”
✅ “Os projetos nos quais trabalhamos.”
✅ “A pessoa com a qual conversei ontem.”
(Preposição + pronome = uso obrigatório da forma correta.)
Mas os erros continuam, principalmente com frases como:
❌ “Partidos no qual confio…”
✅ “Partidos nos quais confio…”
É comum ver neurocientistas, como o Eslem, ou empresários e especialistas técnicos com um vazio abissal de domínio gramatical. Possuem linguagem especializada, mas pouca leitura real, escassa literatura, e uma quase ausência de cultura geral.
Erram em concordância nominal e verbal, tropeçam no plural como quem tropeça no próprio ego. Falam difícil sem saber o que dizem. Escrevem como quem decora rótulo de suplemento e quer parecer filósofo.
Jair Bolsonaro é, nesse cenário, a caricatura final desse processo: um homem que escreve como fala — e fala como grunhe.
Como o pensamento é uma forma de linguagem, e só podemos pensar com o repertório linguístico e cultural que temos, não surpreende que seu vocabulário seja limitado, agressivo, grotesco — como um reflexo de sua própria miséria intelectual.
Quando escreve, ele oferece ao mundo um retrato fiel de sua mente: gramaticalmente disforme, cognitivamente miserável, politicamente perigosa.
Seus discursos, como sua política, tentam emular o símio da ordem primitiva — a linguagem primata da força bruta, da ausência de abstração, da birra infantil.
Um presidente que virou piada sintática — e tragédia semântica.