Nossa sociedade do mundo da técnica heideggeriana e dos “últimos homens” nietzschianos — sem valores transcendentes e sem sentido — atribui à imanência e à materialidade o seu significado.
Hoje, é sexy essa coisa do alto desempenho e do desenvolvimento pessoal.
Saem as calorias dos restaurantes self-service, entra o ritual de levar ao trabalho marmita fitness.
Sucesso é medido pelo percentual de gordura corporal comparado à massa magra.
Porém, o limiar é tênue entre alto desempenho e doença disfarçada de saúde. Os atletas de fisiculturismo são talvez os corpos mais doentes em cena — extremos estéticos, atrações circenses, resultados exibidos de tanga no palco como um freak show, um artista da fome de Kafka às avessas.
É preciso cuidado para que o alto desempenho não se torne outra forma de niilismo.
Paulo Muzy alerta sobre quem “treina fofo”. Mas treinando pesado, ele mesmo já teve várias lesões.
Será que, pelo desempenho dele e pelo físico dele, você estaria disposto a pagar esse preço?
E sendo bem honesto: falta elegância. Muito obrigado, mas eu prefiro ficar com meu shape atlético, esbelto — e principalmente com meu humor, sofisticação, elegância e conteúdo.
Sem dúvida, no que ele se propõe a fazer, ele é brilhante. Mas isso não me impede de discordar completamente do seu conteúdo e da sua estética. Quer dizer, se eu fizer tudo que ele faz o resultado for ficar igual ele, I Would Prefer Not, como diria o escrivão, Bartleby, de Melville.
A esposa dele, nutricionista, dizia preferir o perfil de bailarina, modelo — que, aliás, é o meu padrão estético também.
Mas o FDP, com sua bizarrice, tirou o próprio gosto da mulher pra transformá-la em uma figura atlética e comum, como as fisiculturistas.
Se ela se sente melhor assim, tudo bem.
Mas há algo ali que beira o estupro da relação: uma pessoa deixar de ser ela mesma para se tornar o desejo do outro.
Ao contrário do que se pensa, não há nada de extraordinário no alto desempenho.
Alto desempenho nada mais é que uma sucessão de banalidades cotidianas, feitas com consistência, que levam à maestria: comer bem, dormir bem, treinar, descansar, hidratar-se — dia após dia, sucessivamente.
Se fizermos um recorte em filme, ninguém gostaria de ver isso. Mas o resultado é incomensurável.
É a consistência no estudo, no aprendizado, que leva à maestria inteligente. E à exuberância física.
O alto desempenho não se mede pelo volume do músculo nem pelo percentual de gordura, mas pela criatividade, pelo conteúdo!
Thomas Mann dizia que o bem mais precioso é o tempo — justamente porque não se pode comprar.
E essa sucessão de banalidades, a longo prazo, pode gerar um sentimento de encurtamento da vida. Por ser repetida, passa muito rápido.
Já as experiências-limite, os excessos, ao contrário, dilatam o tempo vivido.
Porém, quem vive apenas assim, vive tão pouco, que é melhor ter aproveitado porque já morreu por dentro.
Há a maldição dos que morrem aos 27: gênios, intensos — e mortos. Hoje em dia.
Eu prefiro viver minha banalidade com consistência. E, com isso, estar entre o rol dos homens que duram muito tempo.
Uma pessoa querida, na fase estudando pro vestibular, certa feita me disse que quase não vivia: só dormia, comia e estudava.
Isso é alto desempenho.
Muitos vestibulandos vivem seu ápice intelectual nessa fase. Justamente porque são obrigados a ter método, rotina, consistência, pra passar.
O niilismo está no objetivo de ser comum, de se enquadrar, de “ter sucesso” — e acabar em frustração.
Chegam na universidade e desaprendem tudo que aprenderam no cursinho: perdem a organização, a clareza. Escrevem como querem, de qualquer jeito.
Clóvis de Barros que disse isso, não fui eu.
É por isso que, passado o vestibular e a fase obrigatória, muitos desaprendem a estudar. E nunca mais pegam num livro.
Isso é o oposto do alto desempenho.
É o oposto do verdadeiro desenvolvimento pessoal.
Hoje procuro comer comida o mais natural possível.
Arroz negro, vegetais, folhas — os processados como exceção da regra. Ou quando muito, fitoterápicos e suplementação bem direcionada, que é quando a indústria finalmente atua em favor da saúde.
Minha sabedoria atual não tem nada de extraordinário.
Ela vem justamente de viver de modo natural — e condizente com a minha própria natureza.
O humor, que sempre foi meu traço desde tenra idade.
A beleza, a atividade física, a leitura e a escrita constantes.
Tudo isso pra mim não é esforço. É natureza.
Por isso, pra mim, não tem como dar errado.
O alto desempenho vira só uma consequência — não o objetivo.
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