Melhor filme de Bernardo Bertolucci, sem sombras de dúvidas, com a trilha sonora icônica — inspirada de Alberto Moravia — e uma estética que presta homenagem direta a Godard em O Desprezo, tanto na música quanto na direção de arte.
Lindos planos abertos, mise-en-scène milimétrica, para abordar com profundidade a banalidade do mal: o fascismo encarnado num homem ordinário.
Marcello é um personagem que daria um grande prato para a psicanálise.
Abusado na infância por um militar, vive uma relação complexa em que, além de vítima, carrega a culpa por ter sentido prazer — o que influencia sua visão de mundo preconceituosa e sua repulsa contra gays, que se revela na vida adulta.
O ritmo é artístico e lento — meio Antonioni — como se quisesse nos fazer sentir o vazio da vida burguesa, de uma existência que sucumbe tentando ser adequada.
O filme é sobre fascismo e guerra por outra ótica: uma abordagem séria, que se distancia do tom onírico de Amarcord, de Fellini.
Marcello é um homem que faz de tudo para ser normal, para se adequar à sociedade, mesmo que isso exija trair suas próprias convicções, seus mentores intelectuais, e sua ideologia.
Trai a si mesmo para se enquadrar em estereótipos. Pede permissão para existir.
Ora, há muitos paralelos com jovens atuais: gente que, nas redes sociais, copia os outros, busca posição e aprovação segundo o capital simbólico da sociedade — ou o ditado por seus pais.
Tentam fazer algo “útil” e “adequado” para se sentirem aceitos. Para se sentirem normais.
E assim desfrutam da sua mediocridade feliz, como os “últimos homens” de Nietzsche — aqueles que vivem do conforto e do bem-estar.
Marcello casa-se com uma mulher banal, daquelas mais comuns, apenas para sentir-se dentro dos padrões.
Colabora com o fascismo, comete inúmeros pecados — que precisam da absolvição de um padre pederasta e fascista como ele — tudo para fingir normalidade.
No fim, como toda boa pessoa que tenta se enquadrar, acaba vencido pelo próprio fracasso: preso na própria histeria, num surto psicótico onde acusa os gays que odeia de cometerem, além da sodomia, a “sodomia explícita e sem vaselina” — que é colaborar com o fascismo.
A “banalidade do mal”, como define Hannah Arendt, mostra como o mal alienado — cumprido como uma tarefa administrativa — é praticado por homens normais, zelosos no cumprimento de seus deveres.
E o resultado disso é o genocídio de uma raça.
E o extermínio de toda a condição ontológica de humanidade no homem.
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