Não sei imitar vozes infantilóides de criança. Eu falo com elas como se fala com adultos. Acho que subestimamos as capacidades intelectuais das crianças ao agir diferente. Como você sabe que, quando faz isso, ela não está pensando: “que idiota”?
O mesmo teste aplicado para crianças entre 4 e 5 anos, que foi utilizado pela NASA para identificar indivíduos altamente criativos, mostrou que, enquanto apenas 20% dos gênios da NASA conseguiam concluí-lo, 80% das crianças tiveram êxito. O teste tem a ver com criatividade e identificação da genialidade.
Curiosamente, quando esse mesmo teste foi aplicado nas mesmas crianças anos depois, já adultas, os resultados foram piores que os dos engenheiros. Isso confirma o grande mérito de Nietzsche: ele dizia que a última fase do super-homem é alcançar a criação da criança. Aliás, criança não vem de criação, etimologicamente?
Não me chamam atenção bebês recém-nascidos. Não vejo beleza neles, parecem um joelho — a não ser meu sobrinho, que é, e sempre foi, lindo.
Por isso, me identifico com o Acossado, de Godard, em que Jean-Pierre Belmont, ao ser indagado se assinaria um abaixo-assinado a favor da juventude, respondeu:
“Não. Eu gosto dos velhos!”
Se eu fosse médico, seria geriatra. Prescreveria invariavelmente bons livros, filmes, atividade física, creatina e whey. Meus pacientes viveriam mais de 100 anos, igual viveu a Rainha Elizabeth. Não que ela fizesse qualquer uma dessas coisas — mas acho que havia colágeno naquela coroa.
Existe um paralelo delicioso entre a vida do ancião e da criança. Uma fase se assemelha à outra — como o enigma da esfinge: o homem é dividido em três fases.
Assim também é o brilhante e estranho caso de Benjamin Button, que representa o enigma da esfinge ao contrário. O grande mérito do livro é colocar uma criança-idosa se apaixonando por uma criança-criança, e ficarem juntos no meio da vida. Ali, ambos são iguais. Nesse limiar entre a maturidade e a juventude, tudo se decide — ou se nivela.
Normalmente, é na faculdade ou no trabalho que ocorrem os maiores impactos da vida do ser humano — sejam eles positivos ou traumáticos. A profissão, às vezes a primeira experiência sexual, drogas, a mudança no convívio social, falar em público…
Porém, para alguns, seria até melhor passar sem essa fase. Porque o campo social influenciou negativamente.
Eu fiz todas essas coisas fora da universidade. Mas também dentro da universidade — mas de fora. Frequentando a PUC de São Paulo. Boas partes das minhas experiências ocorreram primeiro no ambiente social do trabalho. Isso se deve mais à minha origem proletária, que sempre precisou trabalhar.
São nos ambientes sociais que nossos hábitos e ideais se cristalizam — mas principalmente no diálogo disso com o nosso mundo interior.
Quando eu escrevo, por exemplo, não estou apenas escrevendo: estou cristalizando. Dialogando com minhas influências externas e internas, e principalmente planejando minha vida, adiando tudo que pode me distanciar dos meus planos.
Quando posto minhas fotos com e sem camisa, eu mostro a mim mesmo minha evolução e estado de espírito. Quando faço humor, exerço minha criatividade e escrevo as coisas que eu gostaria de ler. Eu produzo as coisas que eu gostaria de ver no mundo — para que o mundo fique mais parecido comigo.
Isso é vontade de potência.
E quando identifico que a ambição de consumo é um inimigo que pode sequestrar minha vontade e criação em benefício do mercado, cabe a mim avaliar até que ponto estou disposto a sacrificar minha essência em nome do sucesso financeiro — e em detrimento ao espiritual.