Um voyeur da vida cotidiana só pode ser alguém que escreve — e de bom gosto — como eu. Sem dar lição de moral igual ao He-Man, mas que julga a todos de cima pra baixo. E não por arrogância: por saber que o homem é um animal que estabelece valor entre as coisas. Um estimador por excelência.
Nessas minhas caminhadas — 28 mil passos por dia, o que dá mais de 20 quilômetros diários —, estou sempre escutando algo, claro. Sou igual a uma dona de casa fitness que faz várias coisas ao mesmo tempo. Ou como a namorada frígida que faz sexo pensando se deixou o vidro aberto. Ou talvez como a vagabunda que pensa no amante. Ou a prostituta, na hora em que termina, focada em conseguir seu dinheiro.
Sou, então, vagabunda, puta, dona de casa e frígida — só que fitness. E de alto desempenho
Enquanto todos vão para o trabalho, eu estou andando. E os observando.
É incrível como as pessoas se vestem apenas para não andarem nuas. Pegam a primeira coisa que veem pela frente, sem nenhuma elegância. Alguns, sinceramente, parecem sair de casa com a roupa em que dormiram: amarrotada, desbotada, suja, triste.
Não há nem o que falar de elegância — que já seria muito. Mas há quem se vista, de fato, só pra não andar nu.
A toilette deveria ser uma forma de distinção. Uma comunicação silenciosa sobre quem você é — a que casta pertence: dos proletários, dos burgueses ou dos artistas sem emprego, fitness e cultos, como eu.
Mas para alguns, toilette é literalmente isso: sinônimo de toilet, WC, o banheiro americano.
E os casais dissonantes? Aquela mulher que aceita um homem que não é muito mais que um pênis. Ou um homem-testiculo. E se for um homem-músculo, já está bom.
Mas um homem-cérebro? Nunca. Um homem-total? Menos ainda.
Pra mim, sempre falta algo no homem.
Aos elegantes e bons vivants da moda, falta erudição e conteúdo além da futilidade.
Aos fitnesse e marombas, falta conteúdo e elegância verdadeira.
Aos professores, intelectuais e filósofos, falta o fitness.
Aos artistas, falta tudo e falta nada — mas, principalmente, falta dinheiro.
Por isso eu não quero ser um homem parcial. Quero juntar todos. Não para ser outro, mas para ser eu mesmo.
Roubar influências como o artista Picasso, para transformá-las em algo novo. Produzir beleza através da vivência — como um voyeur dos costumes.
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