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🎬𓂀 RESENHA NO RECANTO — DONNIE DARKO, ENTRE O DESTINO E O DELÍRIO 𓂀🎬 ⤷╭┈┈┈┈┈┈┈╮⤶ ꧁༺ Dave le Dave ༻꧂


 


 

O COELHO DE SCHRÖDINGER: DONNIE DARKO, ENTRE O DESTINO E O DELÍRIO

Esse é um filme da Netflix que habita o MUBI por acidente — ou por delírio coletivo. Mas uma boa resenha, como toda arte derivativa, pode melhorar até o que já nasceu desajustado. Meu objetivo é esse: transformar em arte um filme que se parece com um videoclipe, como se eu fosse Andre Bazin.

 

A trilha sonora de Donnie Darko é um luxo melancólico: Echo & the Bunnymen, Tears for Fears, Joy Division, Duran Duran, Gary Jules (com a clássica versão de Mad World), entre outros ecos dos anos 1980. A música é excelente, mas as imagens que a acompanham nem sempre fazem jus à sua potência sensorial.

 


 

O GAROTO QUE VIU UM COELHO GIGANTE

Você provavelmente já viu — ou fingiu que viu — o filme em que um adolescente começa a enxergar um coelho gigante chamado Frank. Justamente por achá-lo clichê demais, adiei minha sessão. E foi a escolha certa. Esse não é um filme para a juventude apressada, é uma experiência para o espírito já um pouco danificado.

 

A história é simples e complexa como uma equação mal resolvida: Donnie Darko, um garoto bonito, inquieto, com traços de esquizofrenia (ou apenas uma visão artística do mundo), passa a ser guiado por esse coelho monstruoso, que o induz a cometer uma série de atos bizarros — vandalismo, incêndio, agressões. Mas o delírio tem método: há uma ordem na loucura. O filme, que começa como um teen drama, rapidamente se transmuta em ficção científica existencial, como um Christopher Nolan mais emo.

 


 

PROFECIAS, MANUAIS E UNIVERSOS TANGENCIAIS

Donnie é o outsider clássico: artista, escritor, introspectivo, rebelde — um Holden Caulfield com tendências apocalípticas. Seus comentários nas aulas são sempre agudos, dissonantes. Especialmente na de literatura, ministrada por Ms. Pomeroy (vivida por Drew Barrymore), bonita, gostosa e subversiva — combinação irresistível. É ela quem introduz Gretchen Ross, a nova aluna que se tornará o interesse amoroso e, tragicamente, vítima do próprio destino de Donnie.

 

Frank, o coelho, pode ser lido como uma personificação da esquizofrenia — ou uma alegoria para o impulso artístico que vê o mundo com olhos distorcidos e verdadeiros ao mesmo tempo. A máscara assustadora, a voz cavernosa, o aviso de que o mundo acabará em 28 dias — tudo isso nos empurra para uma vertigem de paranoia cósmica e niilismo adolescente.

 

O roteiro gira em torno de viagem no tempo, universos tangenciais, buracos de minhoca — e um manual de filosofia escrito por uma velha senhora conhecida como Avó Morte (Grandma Death, ou Roberta Sparrow). É aí que o filme começa a flertar com Lost e Life is Strange, em que o sacrifício individual parece ser a única forma de restaurar alguma ordem ao caos.

 


 

O SACRIFÍCIO DE DONNIE: A ESCOLHA DE NÃO EXISTIR

No clímax, Donnie escolhe morrer. Ou melhor: ele entende que tudo aquilo — as mortes, os distúrbios, as revelações — faz parte de um universo tangente que precisa ser encerrado. Assim, volta no tempo e se posiciona na cama no momento em que a turbina do avião cai — e dessa vez o acerta em cheio.

 

Ele ri, sorrindo ao encarar a destruição iminente, como quem aceita seu papel cósmico. Como Max Caulfield em Life is Strange, ele sacrifica o amor para preservar o mundo — ou talvez apenas para interromper o colapso interno, as falhas sistêmicas, a própria fragmentação de quem vê demais.

 

Nada aconteceu. Ou tudo. E o universo continua, silencioso, como um coelho que se esconde no mato depois do salto.

 


 

O BEM, O MAL, E O PEDÓFILO COM CARA DE GURU

Mas por trás da física quântica e da viagem temporal, o filme se debruça sobre temas muito mais terrenos: o moralismo hipócrita das instituições, os gurus do amor (como o nojento Jim Cunningham, interpretado por Patrick Swayze, que na verdade é um pedófilo com um acervo de pornografia infantil), e a performance do bem como fachada para o horror, visão estrábica do maniqueísta e hipócrita do medo em relação ao amor.

O mesmo amor dos religiosos, hipócritas e pedófilos, que voltam seu afeto às crianças — mas de um modo mais michaeljacksoniano.

 

A apresentação das meninas no grupo Sparkle Motion — com roupas curtas e coreografias erotizadas — é um retrato ácido da cultura que erotiza, igual em Dance Moms, a infância e depois finge surpresa com os monstros que ela mesma cria. Não por acaso, Donnie põe fogo nessa estrutura simbólica, literal e metaforicamente.

 


 

SÓFOCLES NO SUBÚRBIO: DESTINO, IGNORÂNCIA E AUTOENGANO

E é aí que a tragédia grega invade o subúrbio americano. Como Édipo Rei, Donnie tenta escapar do destino, mas acaba confirmando cada etapa da profecia. O paralelo com Sófocles é inevitável: assim como Laio tentou evitar a profecia e condenou o próprio filho ao abismo, Donnie tenta driblar o acaso e termina mergulhado em sua inevitabilidade.

 

A metáfora final: o dilema da esfinge. O homem como criatura que rasteja, caminha e depois precisa de apoio — infância, maturidade e velhice. Donnie passa por esses três estágios condensados num único mês. Derrota a esfinge ao "entender" o tempo, mas, ao fazê-lo, entrega-se à morte. Enquanto Édipo se cega diante da verdade, Donnie fecha os olhos ao universo e entrega o corpo ao destino.

 


 

QUANDO A LOUCURA É A ÚNICA LUCIDEZ POSSÍVEL

O acaso pode ser só o outro nome do determinismo. E a esquizofrenia, apenas o modo mais lúcido de enxergar que não temos escolha.

 

Donnie Darko não quis salvar o mundo — ele quis calar as vozes.

 

 


 

PARA MAIS RESENHAS DE FILMES, ACESSE:

 

https://daveledave.recantodasletras.com.br/publicacoes.php?categoria=K

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 19/06/2025
Alterado em 19/06/2025
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