Como um paraíso burguês, igual Marx descreve no Manifesto Comunista, pode ser mais socialista do que qualquer outro? O império ianque revela sua contradição.
O grande arremedo do neoliberalismo é falar em meritocracia. E no sistema socialista americano isso fica muito evidentemente mais categórico quando analisamos essa nação pelo prisma do esporte, no qual se manifesta de maneira mais explícita.
Veja: todas as crianças têm o incentivo da educação física desde a mais tenra idade, em diversas modalidades, desde o ensino básico até o colegial. Pelo seu talento no esporte, conseguem bolsas universitárias.
Esse sistema identifica o talento da criança para determinado esporte desde cedo e tem toda a estrutura para que ele se desenvolva. Muitas usam o esporte, na verdade, como um trampolim para estudar.
E há esportes para cada biotipo — como, por exemplo, o futebol americano, que aceita os esguios, os altos, os atléticos, os baixinhos fortes e até os gordos.
Nas ligas principais, ao contrário da meritocracia e da autorregulação do mercado do sistema liberal, o Estado — ou quem dita as ligas — controla tudo.
Às vezes, retiram até o simbolismo da competição de privilegiar o melhor. Pelo contrário: o pior time é beneficiado com a primeira seleção do draft, para balancear a liga.
Mais socialista que isso, impossível: é uma verdadeira política de reparação das desigualdades. O draft é a chance que o pior tem de selecionar os melhores talentos que vêm da universidade. Ou seja, o perdedor é coroado como campeão.
E esse sistema permite até que se abra mão de vencer propositalmente para ganhar uma escolha melhor. Ou seja: quem perde, ganha tudo.
É também totalmente diferente do sistema capitalista de expansão e lucro o fato de algumas franquias aceitarem vender seu melhor jogador, confiando no processo a longo prazo, sem cobrança.
Na cultura americana, há um certo conformismo com a derrota e o fracasso. E às vezes o resultado nunca chega.
O Dallas Mavericks aceitou abrir mão do seu tesouro, Luka Dončić, em nome de escolhas no draft futuro. Isso é impensável no futebol: um clube abrir mão do seu melhor jogador.
Às vezes dá certo — outras, depende da sorte. Por exemplo, depois de times estrelados com Kevin Durant, James Harden e Westbrook, o Oklahoma City Thunder finalmente está nas finais da NBA contra o Indiana Pacers, vencendo por 3 a 2, a um jogo do título do campeonato.
Tudo isso apostando em jogadores jovens, vindos de trocas e do draft. Graças ao sistema socialista americano.
Esse sistema oferece oportunidades de ascensão social aos mais pobres por meio do esporte — e às franquias fracas e sem tradição de vencer um torneio. Ao contrário do futebol, esporte mais tradicional do mundo, só há um campeonato por ano. Um único troféu em disputa.
Ainda que a NBA tenha inventado agora uma Copa de mata-mata, o campeão do Troféu Larry O’Brien (NBA) ou do Vince Lombardi (NFL) continua sendo uma única franquia.
Mais do que esporte, o que se vê é uma engrenagem de redistribuição, onde o fracasso vira ativo e o sucesso é punido — tudo com o selo das maiores ligas capitalistas do planeta.
O socialismo, às vezes, usa terno, tem patrocínio bilionário, contrato com a ESPN, e é filmado em câmera lenta.