A obsessão, na literatura, encontra um grande exemplo em José Arcadio Buendía, o fundador de Macondo, personagem de Cem Anos de Solidão. Ele representa a imagem de uma mente tomada por uma ideia — um homem que vive e morre dentro de seu próprio delírio.
Mas nem toda obsessão é positiva. Sua utilidade depende do destino para o qual ela nos empurra.
Atletas e pessoas de alto desempenho costumam ser unânimes em dizer que chegaram onde estão graças à força de vontade — e não apenas ao talento inato.
No entanto, a força de vontade é limitada. Se usamos todo o nosso estoque em uma única área, não sobra energia para o resto. Por isso, é fundamental saber usá-la com sabedoria — o que já não é força de vontade, mas maestria.
Alguns indivíduos aplicam sua força de vontade para acumular riqueza, para passar num vestibular, acreditando que isso trará felicidade. Mas, nesse processo, não sobra vitalidade para viver o essencial: o corpo, a mente, os afetos.
A obsessão nasce da força de vontade canalizada para uma área específica do nosso interesse. Quando bem orientada, ela leva ao aprendizado e à maestria.
O problema é quando a obsessão não nos leva a lugar algum. Pior ainda: quando ela não leva nem ao aprendizado, nem à maestria, porque foi feita sem método — apenas por impulso, vaidade ou repetição vazia.
Hoje, o corpo é a obsessão moderna.
E há algo inspirador em ver como fisiculturistas levam essa mentalidade ao extremo. Basta observá-los: entendem de dieta, de técnica, têm disciplina, perseverança, força de vontade.
Mesmo que, para muitos, seu gosto estético seja uma aberração, eles demonstram domínio e coerência. A maioria, inclusive, são grandes professores e técnicos de saúde e educação física. Sabem se expressar, têm um pensamento estruturado e, curiosamente, se tornaram coaches — líderes quase místicos que pessoas mais fracas de vontade seguem com devoção.
Eu mesmo discordo de praticamente todos os influenciadores da área da musculação. Mas mesmo assim, aprendo com eles. É preciso admitir que, nessa área específica, eles sabem mais do que eu.
Por enquanto.
Estou apenas começando. E, quando alcançar a experiência deles, tenho certeza de que posso superá-los — mas dentro da minha coerência, do meu padrão estético e do meu bom gosto.
Leandro Twin, Paulo Muzy, Laércio e Ricardo Cariani são os nomes que mais escuto. Estão listados aqui em ordem de frequência, não de afinidade.
Porque, na verdade, não concordo com nenhum deles — nem com sua visão estética, nem com sua visão de mundo.
Mas aprendo. Aprendo até com o erro dos outros.
Leandro tem conhecimento técnico, mas usa invariavelmente todos os pronomes com “a qual”, sem gênero nem concordância — só porque acha bonito. É como quem ergue uma estátua de mármore em cima de um pilar de papel.
Muzy também tem conhecimento, mas é, no mínimo, misógino. Ultra-direitista, não entende muita coisa de cultura ou literatura. Ainda assim, seu talento médico é indiscutível. E o principal: cuida da própria saúde. Isso lhe dá uma legitimidade que muitos especialistas não têm.
Laércio parece mais preocupado em viralizar, mas há algumas lições em meio ao barulho.
Cariani, por sua vez, parece usar anabolizantes e cocaína — e não só usa, como indica para os amigos. Um bolsonarista ferrenho, cheio de certezas e músculos. Mas tem experiência.
E eu sou forte o bastante para abstrair o que me convém — e apenas o que é lícito.
Aliás, como confiar em alguém que diz que “ler ajuda a dormir”? Que tipo de leitura é essa que dá sono? Quando eu leio, é a pior atividade para tentar dormir: meu cérebro fica ativo demais, fervendo em ideias. Não preenche o sono. Incendeia o pensamento.
Por isso, mais do que obsessão — que é só um caminho para a maestria — o que importa é a sabedoria. E o autoconhecimento.
Essa é a obsessão virtuosa.