Pai, existe multa e juros para quem esquece de orar? Ou será que os encargos vêm em forma de karma, distribuídos ao longo de vidas futuras como parcelas silenciosas de negligência espiritual?
Peço-te que leves em conta minha intenção: deixei de orar nesses dois últimos dias não por heresia, mas por exaustão. Não houve rejeição, apenas um cansaço do corpo que, paradoxalmente, nasceu do esforço de viver o dia com intensidade.
Talvez eu tenha orado, sim — mas no íntimo, de forma não verbalizada. Uma oração não dita, mas sentida, intuída, atravessada em gestos e em silêncio.
Como sabes, tenho adquirido bons hábitos. E o poder dos hábitos é, em si, uma forma de revelação.
A mente não distingue bons de maus hábitos — apenas hábitos. E eles existem para otimizar energia, livrar o cérebro do esforço constante da escolha. Tornam-se trilhas neurológicas que o corpo percorre sem precisar pensar. Isso pode ser destrutivo — ou divino.
Quando um hábito destrutivo é substituído por um novo desejo, algo milagroso acontece. Como no caso daquela mulher — ex-obesa, alcoólatra, fumante, abandonada, endividada — que, após cair no fundo do poço e tocar uma revelação no Cairo, decidiu abandonar um único hábito: o cigarro.
Em seis meses, correu uma maratona, emagreceu 26 quilos, casou de novo, conseguiu um emprego e reencontrou dignidade. Não houve milagre, houve hábito. E uma decisão.
A psicanálise chamaria isso de transmutação do impulso de morte em impulso de vida. Espinosa diria: um afeto mais forte sobrepujou outro.
Tudo isso é aplicável — e está acontecendo comigo. Caminhar pela manhã para receber a luz solar e regular o cortisol; só tomar café depois desse banho de luz, e parar antes das 14h para não afetar o sono. Isso não é apenas autocuidado: é disciplina em nome da potência.
Somo a isso a moderação no açúcar, o cuidado com as calorias, os macronutrientes bem distribuídos, e até uma porção controlada de prazer — porque negar o prazer não é sabedoria, é outra forma de repressão.
Mas toda essa transformação só foi possível depois de eliminar o hábito mais destrutivo: cheirar o osso do diabo.
Essa ruptura — tão simbólica quanto biológica — permitiu que todas as demais modificações ganhassem corpo: confiança, ação, lucidez, performance, potência.
Os resultados financeiros e afetivos talvez ainda não tenham chegado, como no exemplo da mulher. Mas é uma questão de tempo e de consistência. Se não em seis meses, em seis anos. Mas virão.
Porque um hábito sólido, repetido diariamente, com intenção e disciplina, é a mais sagrada das orações.
E não há karma que resista à consistência.
Com tua bênção e tua observação.
Amém.