Adão era o dono do mundo, reinava sobre toda a Tua criação. Mas, no seu olhar de Pai, embora ele achasse que sua vida estava perfeita do modo que estava, o Senhor presenteou a mulher para ele.
Como Adão, eu penso: “Minha vida é perfeita, mas talvez a Providência tenha reservado uma Eva para completar minha felicidade.” Se já me deparei com ela, eu ignoro totalmente. Às vezes, minha sabedoria e o plano não coincidem com o Teu.
Às vezes eu me pergunto como pude viver tanto tempo desviado de mim mesmo, ainda que soubesse todos os caminhos que conduziam para mim.
Eu sempre fui exemplo, inspiração, mas em um momento me tornei o espelho de Dorian Gray, cujo retrato só mostrava como não agir. Hoje, pelo contrário, por mais que as pessoas possam se inspirar em mim — algo que para mim é indiferente — eles não poderiam me copiar.
Tornar-me quem eu sou é um processo mais demorado que um bom vinho, e a embriaguez que proporciona é igual a de um destilado, forjado na dor, no sofrimento, mas também na transformação desses elementos em criação.
O bom gosto é um dom, às vezes subestimado, mas as boas escolhas na vida provêm justamente desse dom. É o símbolo da distinção, é o gosto — algo que vai além de dinheiro, status ou condições sociais.
Quantos exemplos não temos de gente que tem tudo isso, mas por falta de gosto não consegue viver bem e, mesmo sendo privilegiado, vive mais precariamente que muitos mendigos?
Os mendigos, pelo menos, são livres; eles não são escravos de senhores carrascos que sequestram sua própria vontade.
E a luz que ilumina, como meu gosto, faz eu me destacar, brilhar em qualquer ambiente, por mais escuro que seja.
Esse brilho é igual ao da poesia que ilumina a noite.
AMÉM.