Apesar da debilidade física — longe da vitalidade da sua obesidade saudável — a mensagem de Clóvis ainda é potente e reverbera. Um artista da didática e do ensino que, talvez por saber da fragilidade da vida que se esvai, está produzindo mais do que nunca: vai a podcasts, publica, ensina, como se houvesse uma urgência em preencher ainda mais seu enorme legado na educação brasileira.
O filósofo do tesão pela vida e do brio. Um corte que já chegou a mais de 3 milhões. Mas curiosamente, eu — que vi a aula inteira na época e tenho até hoje nos meus arquivos — duvido que desses 3 milhões, uns 100 chegaram a ler de fato A Metafísica dos Costumes, de Kant. E, se metade entendeu o que leu, ou um terço leu A Crítica do Juízo. De 3 milhões, muito poucos vão sentar a bunda na cadeira e ler. Se tivessem brio, procurariam a aula completa, e não apenas um corte de 8 minutos.
Mesmo assim, um corte valoroso. Em um podcast, Clóvis contou seu encontro com dois personagens distintos. Um genial. O outro, o oposto. Um era Umberto Eco. O outro, um eco de ser humano: um empresário bilionário do agronegócio. O empresário disse que seu filho queria cometer o disparate de virar professor de história. Que ele não tinha pagado ensino caro pro filho virar um mero professor… e de história.
Sagaz, como sempre, Clóvis respondeu que, às vezes, é mais feliz lendo e ensinando do que plantando sementes.
O que Clóvis não disse — e eu acrescento — é que nada tem mais a ver com agronegócio do que o ensino de história: é plantar sementes em alunos ignorantes e muitas vezes inférteis. Clóvis, ainda afiado, perguntou ao empresário se ele conhecia um amigo seu, também professor de história: “Leandro Karnal, conhece?” E o empresário, claro: “Quem não conhece?” — “Ele é brilhante.
— E o senhor, qual é seu nome mesmo?”
Veja bem: o professor é inspiração. O empresário é bilionário. Mas ninguém sabe quem ele é. Seu filho será mais feliz com um livro a mais do que com uma quadra de tênis e uma piscina indoor aquecida. Acredite. Isso sou eu dizendo, não Clóvis.
Mas a história mais deliciosa foi com Umberto Eco. Tentaram convencer o escritor a participar do “Fronteiras do Pensamento”. Clóvis foi pessoalmente à casa do autor de O Nome da Rosa. Umberto disse que não voltaria ao Brasil “nem pelas águas que jorram do Pactolo” (imagem minha, não dele), pois sua mulher havia adoecido no Rio e um jornalista se passou por médico para tentar entrevistá-lo.
Mas, generoso, Eco disse que poderiam ficar para uma conversa. Clóvis ficou a tarde inteira com ele. Quando Umberto perguntou se Clóvis queria algo, ele fez o escritor rir com um pedido inusitado: um simples iogurte com leite.
Eco deu uma gargalhada orgiástica, que provavelmente foi a mais sonora e sincera até sua morte, um ano depois. E Clóvis ensinou ao Nobel da literatura uma lição: o prazer de ser você mesmo e quebrar convenções sociais. Eco esperava servir uísque ou vinho — e virou palestra.
Uso esses exemplos para te dizer que você não precisa ser o Clóvis para se defender diante de seus pais ou da sociedade. Mas precisa de força e conhecimento. Isso se chama vontade de potência. É melhor errar com as próprias pernas, desde que o trajeto tenha sido escolhido por você. Porque será você quem vai caminhar, correr, dançar ou pular os obstáculos.
Como eu, que prefiro NÃO copiar os marombas da academia e ficar exibindo os músculos uns pros outros, crescendo de forma niilista e sem objetivo. O resultado? Nem bonito é. Eles mostram o músculo como adolescente que compara o tamanho do pênis no mictório — mas como o pênis é atrofiado, mostram o trapézio.
Eu prefiro minha solidão: minha música, meus livros, meus filmes, minha meta. Secar. Trincar. Ficar bonito pelado, mas principalmente vestido. Porque há uma distância entre vulgaridade e elegância. E eu quero que o tesão venha das ideias faladas e escritas.
E acho que venho tendo um bom resultado nesse propósito.