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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

 

ORAÇÃO HEREGE DO DIA

 


 

O RECANTO DAS LETRAS, ORGULHOSAMENTE, APRESENTA:

 


 

Quando Deus Lê

Pai, assim como o Senhor sabe a vontade de seus filhos humanos, lê nas entrelinhas dos corações... será que o Senhor também lê dentro do coração das obras? Digo, de arte, da literatura?

Aliás, será que o Senhor lê? Gosta de ler?

Bom... apesar de que, do jeito que o mundo anda, nem deve dar tempo para Deus ler — se até eu, que não sou Deus, apenas quase, não tenho tido tempo e concilio com outras tantas coisas...

Ou vai ver o mundo está assim justamente porque Deus está lendo e deixou o mundo de lado, já que não tem mais salvação. Ou o mundo é governado pelo Diabo no intervalo em que Deus lê.

 


 

Tereza, Eu e a Leveza Que Pesa

De todo modo, Pai, o que está por trás do coração dos protagonistas de A Insustentável Leveza do Ser?

Sem dúvidas, o alívio sentimental do livro fica a encargo do narrador, Milan Kundera, e da vida de Tereza, por quem temos enorme simpatia. Principalmente eu.

Eu, essa garota autodidata, marginalizada, sonhadora, amável... e que ama um médico.

Mas para por aí.

Ela usava a literatura para se proteger do mundo. Eu uso para combatê-lo — e vencê-lo.

Ela usou Anna Kariênina para entrar no mundo anódino e útil de Tomas, que, quando a encontrou, estava lendo — não me surpreenderia que fosse O Senhor dos Anéis ou algum best-seller banal da época, pois espírito esse homem vulgar não tem.

E ainda usou a condição de fragilidade e depauperação da Tereza para seduzi-la não com linguagem, mas com sua posição de poder e hierarquia no símbolo mais notório de poder, que é entregar um cartão de visita — no qual, com certeza, lia-se sua profissão: médico. E endereço.

 


 

Amor ou Símbolo?

A coitada se apaixonou por um símbolo. Pela emancipação do seu mundinho. Não por um homem de verdade.

E ela começou a viver em torno desse símbolo. Desse anti-homem. Desse decadente.

Ela se acha fraca. Mas o fraco é ele.

Fraca, talvez, por amar um homem fraco, sem espírito, e vulgar.

Mas até nessa força de submeter-se, ela é rica. Ele manda nela, e ela obedece, impassível. Pela sua falta de experiência, de oportunidade, confunde esse sentimento com amor, e até profere sem vergonha: "Eu vivo para meu homem. A minha vida é ele."

E ele, diante dessa afirmação, a chama de anacrônica.

Mas o amor nunca é anacrônico, pois Eros é um dos primeiros deuses a surgir no mundo.

 


 

Desejo, Sono e Submissão

Ele trata todas as suas amantes como iguais. Manda despirem-se. E elas obedecem.

E para fazer parte da vida dele, ele quer se submeter à vida das suas amantes.

Como diz Kundera: "Amar é não querer partilhar o desejo do outro, mas o seu sono."

É verdade que com outras mulheres ele não dorme. Só com Tereza.

Mas... a que preço?

E seus inúmeros plantões enquanto ela fica em casa... lendo... vivendo em função do marido? Para o marido... e as ligações... anônimas... insinuando... rindo da cara dela... coitada.

 

 


 

No Inferno Literário

No inferno da literatura, no qual Paulo Coelho queimará eternamente, que esse tipo de personagem também sucumba, lado a lado com os livros ruins.

E eu, Pai... não é justo seduzir os indefesos.

Eu mesmo, que já confessei que a beleza colegial me agrada, jamais teria coragem de fazer a minha vontade — ou mesmo a delas...

Uma, porque elas estão em desvantagem intelectual comigo. De experiência. Emocional. Em todos os sentidos...

Não seria difícil encantar ou seduzir uma garota dessa idade, que nada viveu, nada conhece...

Não é justo eu seduzi-la. É injusto.

Mas Tomas usa a vulnerabilidade de suas amantes, seu cargo, justamente para copular o máximo possível.

 


 

Mulheres Que Se Diminuem

Amantes que sequer ele paga. Como a Tereza, que diz com orgulho que seu marido é médico e ela não tem necessidade de trabalhar.

E o mais triste: ela trabalha só para fazer parte do mundo dele.

Para que ele tenha orgulho dela... para que seja aceita...

Aí, de fato, ela se diminui...

 


 

Um Pedido a Deus, Pelas Terezas

Meu Pai, não peço mais por mim nesta oração, nem pelas mulheres da literatura — Madame Bovary ou Anna Kariênina —, mas pelas mulheres reais.

Abra os olhos de mulheres como Tereza. Dessas vulneráveis.

Para que não caiam no canto desses vigários.

 

Amém.


 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 26/05/2025
Alterado em 26/05/2025
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