Assim como Erasmo de Roterdã fez o Elogio da Loucura, eu, muito apropriadamente, farei o elogio de uma UBS na qual trabalhei.
Logo que adentrei o local, notei que estava em um lugar diferenciado pelo cheiro de rosas com jasmim. E não importa se, de fato, era apenas um bom ar de banheiro tentando imitar essas fragrâncias. Como estava com o pé machucado, um rapaz viçoso e forte, de cabelo e barba brancos, com um nível de gordura corporal certamente menor do que 10% — e todo o resto simetricamente distribuído em músculo — se aproximou. Sua voz melódica e agradável parecia até o canto de um pássaro sagrado, ou a própria harpa de Apolo.
Apesar de eu ser mais novo que ele, perguntou se gostaria de ajuda. Respondi que seria muita gentileza da parte dele e já ofereci o braço para me apoiar. Mas ele fez mais: me colocou sobre seus ombros viris com a leveza de quem carrega uma pena, e me deu uma carona até a fila de espera.
Chegando lá, tudo estava limpo, perfumado, organizado. A média de espera na fila não dava nem cinco minutos — um padrão de qualidade e prestação de serviço à população de fazer inveja à linha de montagem da Ford, com a diferença de que ali éramos atendidos como se estivéssemos em um resort da Jequitibá. Ou, mais propriamente, de cinco estrelas.
Quando chegou minha vez, eu ia abrir a boca para dizer o que precisava, mas a atendente meio que já adivinhou por empatia. Antecipou tudo o que eu iria dizer, o que economizou três minutos de atendimento. Fui então direcionado para a enfermagem.
A enfermeira que me atendeu era impossível de não se notar: uma combinação de educação, aparência de modelo e praticante de crossfit, com traços finos de erudição e inteligência. Ainda bem que houve testemunhas, senão diriam que era mentira.
Pelo simples toque dela na minha perna, a dor na articulação sumiu. Imediatamente, me senti revigorado. Soube depois que ela já não estava mais lá. Talvez tenha sido conduzida aos céus, como a Remédios, a Bela, do livro Cem Anos de Solidão.
O atendimento médico não demorou nem cinco minutos para chegar minha vez. Fui conduzido a um consultório arejado e florido como nunca vi em nenhum outro posto de saúde. Fui atendido por um médico estrangeiro — pelo sotaque quase imperceptível, percebi que era colombiano.
Sua aparência lembrava a de um triatleta. Elegante de uma forma rara para um simples médico, vestia sapatos oxford, camisa e blazer perfeitamente cortados, como se saídos de um figurino de filme de Wes Anderson. Em seu consultório, uma vitrola tocava Nocturne de Chopin, em volume palatável, sintonizado ao ambiente.
Prescreveu um remédio que não havia no SUS. Quando disse que não teria como pagar, ele — num gesto de extrema generosidade e, acredito, até ameaçando seu cargo — pediu meu Pix e fez na hora a transferência do valor para minha conta. Escrevo com lágrimas nos olhos só de lembrar da cena.
Como já estava restituído da locomoção graças à enfermeira, não precisei de ajuda para ir embora. Mas, ao sair, fui agradecer ao segurança, que parecia um policial londrino pela postura.
Não pude deixar de notar que ele estava lendo Crítica da Razão Pura, de Kant. E, pasmem… era a versão original em alemão.
O Brasil está precisando de mais seguranças assim.
Ah! Para quem estiver se perguntando qual foi meu diagnóstico: é que tenho a tendência de inventar histórias para sublimar os acontecimentos. Normalmente, inverto, com o poder da minha imaginação, tudo o que ocorreu para saber lidar com os fatos.
Penso que quem está doente é a sociedade. Pois a história que acabei de narrar é totalmente verdadeira — porque eu a inventei do começo ao fim.