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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

ORAÇÃO LAICA NO RECANTO:


 

O RECANTO DAS LETRAS, ORGULHOSAMENTE, APRESENTA:
 


 

Pai, é possível retomar uma oração passada da onde a gente parou igual um serviço de streaming?

 

Gostaria de retomar a de ontem em que falei para o senhor me livrar de ser o que não sou — para falar também: que eu fique mais perito ainda em reconhecer nas pessoas aquilo que elas não são. Principalmente nas mulheres, que gostam de se passar por aquilo que não são. Mas meus sentidos, com o passar do tempo, logo as farejarão e verão o que elas de fato são.

 


 

O FILHO PRÓDIGO NÃO PARA

Frederico Guilherme, Nietzsche, seu filho pródigo — sempre ele — ousou dizer que o diabo é sua ociosidade, Pai.


“foi o próprio Deus que, ao fim da sua jornada de trabalho, estendeu-se em forma de serpente sob a Árvore do Conhecimento: assim descansou de ser Deus... Havia feito tudo demasiado bonito... O Diabo é apenas a ociosidade de Deus a cada sete dias...”

 

 

Por isso ponho sempre em movimento a produzir, a pensar. Ele mesmo, não sei se é verdade ou se mentia, dizia que andava nas montanhas por até sete horas. Eu devo me exercitar umas cinco, mas para dignificar a atividade, leio, vejo filmes, e meu corpo é uma máquina de guerra — como dizia Deleuze — uma máquina desejante de produzir pensamento.

 


 

O INFERNO SÃO  OS — OLHARES DOS — OUTROS

Mesmo assim, como a sua criação é egoísta, percebo os olhares dos invejosos e recalcados diante de mim — como aquela invejosa que disse que falar que pareço um bebê reborn era uma ofensa. Uma pessoa anônima, sem conteúdo, sem identidade, que se atém a falar de assuntos que estão em voga, não em criar o novo.

 


 

ELEGÂNCIA COMO HERANÇA

E a minha altivez aristocrática, que nasceu comigo… aquelas pessoas disformes, que só têm seus músculos assimétricos e monstruosos, ao observarem eu — envolto no meu mundo de leituras, filmes, e ainda assim com resultado e propósito, unindo o útil com o agradável — me invejam. Me veem com desconfiança, de relance, assim como Zaratustra, que mostrou novas verdades que os últimos homens — sem cultura, que eles representam — desconheciam. Um novo modo de viver e ver as coisas.

 


 

A CHUVA, A LEITURA, A IRONIA

Até o dono da academia, pelo que pude ouvir no momento da pausa do som da chuva (que coloco para abafar o ruído das moscas do mercado), disse talvez com ironia que hoje se pegou lendo também.

 

Sim, mesmo que fosse ironia: lendo o quê? E mais importante ainda: lendo para quê? Para fazer a vontade de Deus da criação.

 

Mesmo, Pai, o senhor dando músculos, forças e até uma beleza disforme, sem conteúdo e gosto, para ele — e até prosperidade — ele quer tudo no seu egoísmo, e inveja a minha elegância, distinção, conteúdo, método, resultado, sabedoria, brilho. Um brilho que, em pouco tempo, é impossível não notar: roubo o brilho das estrelas menores e os olhares das belas mulheres… talvez até mesmo a dele, que é instrutora.

 


 

FILOSOFIA NO CORPO

Que talvez, à noite, se pense: “Ok, ele é forte, tem barba… mas será que não poderia também ser interessante? Menos sisudo, com conteúdo, recitando Shakespeare e Drummond de cor? Sabendo fazer filosofia no corpo?”

 


 

SACRIFÍCIO DO ESPÍRITO AO CORPO SAGRADO

Eles não perdoam que voemos mais alto que suas cabeças. Mas a sabedoria que o Senhor me deu me faz ignorar solenemente a inveja.

 

Mesmo eu gastando mais do que qualquer um naquela academia, ela faz mais bem para mim do que eu para ela. Por isso vou todos os dias: uno o útil ao agradável, para me ajudar a pensar, a adquirir conhecimento.

 

As pessoas passam horas na academia só para cuidar de uma coisa: do corpo. Já eu vou para cuidar do corpo — templo do pensamento — e do próprio pensamento. Alimentar o corpo e o pensamento.

 

Antes um sacrilégio contra o espírito do que um sacrilégio contra o corpo, que é o verdadeiro sagrado do homem: sua razão e espírito.

 


 

NAS NUVENS E NO CHÃO

Em As Nuvens, seu filho que nasceu antes do seu filho Jesus — que dizem que é você mesmo — Aristófanes, comediante, satirizou os filósofos, principalmente Sócrates.

 

Como se fossem pessoas com as cabeças nas nuvens, em reflexões profundas, e que por isso não sabiam lidar com problemas práticos da vida: como atividade física, sexo e riso.

 

Mas este seu filho aqui, nascido no fim do século XX, de mesmo nome do seu predileto aos seus olhos, Davi — sabe unir os dois com maestria.


 


 

 

NÃO CAÍ NO POÇO, EU O ESCAVEI

Não sou como Tales de Mileto, que dizia ser inepto para a vida e descobriu os movimentos dos astros por um acidente digno de Mr. Bean.

 


 

SERMÃO SEM PÚLPITO

Para não ficar mal aos seus olhos, eu cito: um filho pródigo e um prodigioso. E essa oração parece um sermão de Vieira.

 

Me dá essa capacidade de refletir sua vontade pela linguagem como o meu homônimo Vieira, Pai.


 


 

E QUE ME ERREM

E afaste meu olho e sabedoria para lidar com a inveja e o recalque. Que eu continue fazendo a minha obra.

 

E não desejo que se inspirem em mim, mas que continuem seguindo seus próprios caminhos — e me errem, como dizem os jovens.

 

Eu não quero melhorar a humanidade. A última coisa que desejo, assim como dizia Nietzsche, é melhorar a humanidade.

 

E para os “melhorados” da humanidade damos nosso desprezo e desconfiança. Sabemos que nada melhor se faz pelo outro do que o cuidado de si mesmo.

 

Essa sabedoria o Senhor me permitiu, e que continue permitindo.

 

Amém.

 


DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 21/05/2025
Alterado em 21/05/2025
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