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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A MODA, O VÍCIO DE UM — QUASE — GÊNIO


 

 O RECANTO DAS LETRAS, ORGULHOSAMENTE, APRESENTA;



O Estilista e o Pathos

Gosto de assistir a documentários e filmes sobre moda, pois ela está intrinsecamente ligada com a arte. Gosto do pathos por trás do estilista e de como eles conseguem suas referências para criações que, invariavelmente e paradoxalmente, estão fora do campo da moda — mas dentro da literatura, da pintura, da natureza, do cinema. Tudo é matéria-prima para a criação. Você não vai revolucionar um setor só com a inspiração vinda do próprio setor.

 

Meu entendimento sobre moda é mais empírico, com base no bom gosto inato e na capacidade de avaliar as coisas por essa régua. A experiência de ter assistido a muitos filmes, ter lido livros, conhecer um pouco dos trajes de cada época. E meu gosto contrasta com a inovação pitoresca que é exigida no mundo da moda, que conceitualmente exige a criação de tendências.

 

Minha elegância é simples e impecável. Aquele cálculo minimalista em que cada detalhe foi pensado, mas que transmite um ar de naturalidade — que é a melhor forma de distinção. Esse estilo contrasta com o protagonismo do nosso documentário: John Galliano, que mostra sua ascensão e queda.

 

John, como artista, podia se permitir o excesso. Eu, não. Mas, quando a situação pedia, é claro que sabia se vestir sobriamente e elegantemente.

 


 

Da Plebe à Passarela

John Galliano tem origem hispânica e imigrou com sua família para Londres. Gay por vocação e concepção, sofreu grande preconceito de seu pai conservador. Mas soube sublimar a repressão em criação — e se tornou estilista, principalmente da Givenchy.

 

Quem o substituiria na grife britânica seria o lendário estilista Alexander McQueen, cujo documentário também é excelente.

 

Muito influenciado, no final dos anos 80, pela onda dos New Romantics — aquela new wave britânica de New Order ou B-52’s, com aquelas perucas e cores escalafobéticas remetendo à aristocracia —, seus primeiros desfiles tentavam resgatar esse espírito de nobreza. Contudo, ele sempre foi um não burguês, e por sua origem não aristocrática, da plebe, embora altivo. Um boêmio.

 

Mas, como já analisei, o sistema capitalista, do qual a moda faz parte, capturou o espírito boêmio e seus artistas para trabalharem em prol do capital. Assim, Galliano passou a ser o chefe criativo da Dior, na França.

 

No início de sua carreira, ele era muito influenciado pela estética caricatural do filme Napoleão, de Abel Gance, clássico do cinema mudo. E, como bom boêmio, era chegado em uma bebida.

 

Galliano fez sucesso nos anos 90 até o fim dos anos 2000 — talvez o auge da moda e das supermodelos. No documentário há declarações de Naomi Campbell e Kate Moss, sua amiga pessoal. Disputou espaço com o estilista da Chanel, o lendário Karl Lagerfeld, e com Jean-Paul Gaultier. Foi uma época efervescente para a moda.

 


 

Beleza, Prazer e Declínio

O documentário também mostra como as divas dos anos 90, agora no primeiro terço do século 21, perderam seu brilho. A mulher, a partir dos 30, já perde sua aura. Se até Kate Moss está acabada, você — reles mortal — não terá muita chance.

 

Então a dica que eu lhe dou: aproveite para dar e ter prazer enquanto pode. Depois dos 30, é só ladeira abaixo. E cultive seu espírito e intelecto, que é o mais importante. Agora, a maturidade — como mostra o próprio documentário — assenta melhor aos homens.

 


 

O Motor do Capital

Era exigido de Galliano 32 coleções por ano — entre roupas, joias, óculos, bolsas — e ele entregava com maestria. Para ajudá-lo nessa operação, havia Steven: um gordo homossexual que, tudo indica, era apaixonado por ele e por cocaína. E só por isso conseguia dar conta do trabalho.

 

Na ocasião da sua morte acidental, numa queda, houve um enorme impacto na vida de Galliano. Mas me chamou atenção que, em seu relato, em nenhum momento ele fala da dor de perder Steven como pessoa — apenas de como isso afetou a ele, Galliano. Um tipo de pessoa sem empatia.

 

Embora tenha assumido uma contrição no rosto pensativo durante as filmagens — o que dá o tom do egocentrismo com que estamos lidando aqui. Nessa época, pela pressão, o alcoolismo e problemas inerentes se acentuaram. E, com o agravante de que ele misturava com ansiolíticos como diazepam e remédios para dormir.

 

Alguém se identifica?

 

Ele era fraco pra bebida. Perdida a consciência, se tornava agressivo. Dormia em uma parte do mundo e acordava em outra. Seus disparates só eram tolerados por causa do lucro que gerava aos donos — que faziam de tudo para negar os problemas de Galliano. Afinal, ele produzia dinheiro. O que poderia estar errado?

 


 

O Antissemitismo e a Queda Final

Isso até a situação se tornar incontornável. Porque Galliano mexeu no vespeiro mais perigoso da história: os judeus.

 

Louco de bebida e fora de si, alguns impertinentes o perturbaram. E como dizem que o vinho revela a verdade, ele disse que elas eram feias e judias, que ele admirava Hitler e que pessoas como elas iriam parar na câmara de gás hoje em dia.

 

O vídeo foi parar no The Sun e teve enorme impacto negativo na reputação da Dior. Natalie Portman, que era a cara da marca e judia, disse que isso não era tolerável. E Galliano caiu de seu cargo e foi punido judicialmente.

 

Isso mostra que ser um viciado não é o problema. O problema é não ser produtivo para o capital. Ser um vagabundo. E comprar as brigas erradas.

 


 

Narcisismo em Forma de Tecido

 

Como todos nós somos instintos de vida e de morte — mesmo na adicção — Galliano se entregou com obsessão à atividade física. E, quando alguém o chamava de alcoólatra, ele tirava a camisa e perguntava se aquele era um corpo de alcoólatra.

 

Porém, o vício tirou o prazer dele pela atividade física aos poucos — e pela vida. O cigarro prejudicava seus resultados e os tornava contraproducentes. O que mostra que não dá pra fazer as coisas começando do modo errado.

 

Galliano só voltou à Dior tempos depois, mas por reconhecimento. Ele só voltou à mídia ao ser o desenhista do vestido de casamento da Kate Moss.

 

O mais impressionante é que não há nenhum registro formal de desculpas dele — nem mesmo no documentário. Apenas um arrependimento fingido, como se buscasse resgatar sua imagem pelo enorme prejuízo financeiro que a polêmica causou.

 

Então, se aproximou de comunidades judaicas — mas tudo por cálculo. Isso fica evidente quando, ao conseguir dar a volta por cima e ir trabalhar em Nova York, usou uma roupa que ofendia a comunidade judaica. Alegou que não sabia, mas foi uma clara provocação de quem diz: “estou de volta”.

 

Mas não se mexe com judeus. E conheceu a queda novamente.

 

Se ele tivesse mexido com negros, mulheres ou até gays — não teria acontecido nada. Mas não se mexe com o povo eleito por Deus. Que, ironicamente, gerou Jesus — aquele mesmo que este povo ignoraria.

 


 

Essa foi a ascensão e queda de John Galliano.

Isso é tudo, pessoal.

Até a próxima.

 




 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 21/05/2025
Alterado em 21/05/2025
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