Pai, afasta de mim essas coisas de parecer o que não sou — como esses teus filhos que parecem hipsters descolados do Lollapalooza, mas não entendem nada de música. Que têm cara de intelectual, usam óculos de armação de tartaruga, e não sabem nada de livros ou de cultura.
Gente que parece interessante, mas da boca só saem banalidades. Que parece hippie, mas nunca fumou um xaxixe sequer. Ou mesmo aqueles que ostentam uma camisa de time e não entendem nada da história ou do futebol. Ainda há os que vestem camisetas de games, mas acham que o videogame começou com o PS4, e que o Play 2 já é videogame retrô.
Eu não pareço ser uma coisa que não sou.
Se pareço atlético, é porque de fato levo uma vida de atleta. Se pareço saudável, é porque sou.
E quanto ao conteúdo e à película tatuada no braço — eu acho que sei uma coisa ou outra, e já vi um ou outro filme.
Se pareço além do que vivi, é porque errei com os meus próprios passos.
Esses, cuja paixão não arde, são os mornos.
E, segundo tua palavra, pai, serão vomitados da tua boca. Palavras tuas, não minhas.
Toda a minha vida parece que foi uma preparação para viver esta fase atual.
Os momentos de deserto e privação me ensinaram a ter uma alimentação controlada e equilibrada — sem cometer excessos, mas também sem negar o prazer ao corpo e à alma.
Desde que tudo esteja nos limites: calorias e açúcares adicionados de até 20g, totais de até 50g. Nada que abaixe minha vontade de potência, nem cause dor na alma, nem no corpo. Nem dor na consciência.
Ontem, o Senhor me propiciou um momento de prazer do corpo.
E sinto que, em minha sabedoria atual — embora o conteúdo me sirva para viver melhor —, eu quero negar tudo o que aprendi.
Pois li as obras num estado fisiológico doente. Hoje, saudável, relendo Ecce Homo, a leitura ganha outra perspectiva.
Percebo, por exemplo, a sabedoria de que temos que vigiar nossas distrações — ou seja, nossos hobbies e paixões.
Além disso, devemos expiar nossa alimentação e clima para favorecer nossa fisiologia e força criativa.
Que a erudição não é um bem inerente, justamente porque impede a gente de pensar por nós mesmos.
Na aurora do dia, quando nossas energias estão mais fortalecidas, há os que as desperdiçam lendo, como os intelectuais.
Eu, doravante, as utilizo escrevendo, criando, produzindo o novo.
E se eu tenho que reler tudo o que já li, tenho muito trabalho pela frente — talvez uns vinte anos de leitura.
Mas assim pede minha vontade, que pela tua graça coincida com a tua, para que eu possa ser criador como tu, Pai.
Hoje não falarei de amor nesta oração, porque o Senhor já conhece a vontade do meu coração.
Se for também da tua, que ela seja feita — como diz no jargão corporativo — as soon as possible.
Aliás, tua língua nativa é qual, Senhor?
Dizem que o Senhor é brasileiro. Seria o português? Deus tem sotaque?
Acho que combinaria mais o latim contigo. Ou o italiano da Igreja Católica. Ou o grego antigo. Ou o aramaico.
Só sei que não são as línguas que Michelle Bolsonaro fala naquele estupor golpista e reacionário dela.
Enfim — em nome de Jesus e do Amor.
Amém.