Não é só o nome que confere genialidade a David Lynch — mas ele com certeza contribui para a fama dos “Davids” geniais. Enquanto alguns cineastas são lembrados por suas técnicas em encenar sonhos, Lynch se especializou em filmar pesadelos.
Seu filme mais aclamado, Cidade dos Sonhos, tem um título que já entrega demais — é, na verdade, um pesadelo. Estrada Perdida segue essa mesma tendência. Este texto será mais uma conversa de bar sobre cinema do que uma análise técnica, até porque não entendi muita coisa do filme. Mas convenhamos: quem entende um filme de Lynch sem pesquisar antes? Eu só entendi Mulholland Drive porque já sabia do que se tratava.
Engraçado: não assisto a filmes de terror, mas meus jogos de videogame favoritos são justamente de terror. Qualquer um. Já um amigo meu é o oposto: adora filmes de terror, mas não tem coragem de jogar.
Um dos meus jogos preferidos é Alan Wake, cujo enredo tem clara influência de Twin Peaks, o trabalho mais conhecido de Lynch. E não por acaso o jogo gira em torno de pesadelos e um escritor à la H.P. Lovecraft que mergulha na própria história.
Estrada Perdida é sobre isso. Está disponível no MUBI. Um filme sobre a fragmentação do “eu”, enigmático, misturando terror psicológico, surrealismo, identidade quebrada e o inconsciente.
A cena mais famosa do filme é a do Homem Misterioso — um sujeito baixo, de rosto branco como uma máscara de morte. Ele diz: “Estou na sua casa agora”, enquanto entrega um telefone para o personagem, que então ouve a mesma voz… do outro lado da linha, já dentro de sua casa. Um duplo. Um desdobramento. Uma ameaça sem rosto fixo.
Os filmes no MUBI são mais artísticos e levantam discussões profundas sobre estética, como propôs Roger Scruton: o que é arte? O que é beleza? A arte contemporânea, especialmente o cinema de vanguarda, tem uma pegada muito transgressora — e o catálogo do MUBI acompanha essa tendência.
Embora eu diga que não gosto de filmes de terror, o que me incomoda mesmo não é o terror psicológico, mas cenas graficamente pesadas. Não é a violência estilizada de Tarantino. É a violência crua, real.
O filme mais brutal que já vi foi Irreversível. Há uma cena em que uma cabeça é esmagada com um extintor de incêndio. Mesmo sem olhar para a tela, é possível ouvir os ossos estalando. Tão real que, na época, circulava em fóruns que aquela morte teria sido verdadeira.
Já falei dos filmes mais polêmicos. Gosto de saber que existem, mas isso não significa que eu vá assisti-los. Como os de Zé do Caixão — inovador por transformar a precariedade do subúrbio em cenas técnicas e criativas. Nunca vi um filme dele, embora me identifique com sua origem: o primeiro estúdio foi na Lapa, por onde eu passava diariamente para ir ao trabalho.
Não tenho nenhuma intenção de ver Salò, de Pasolini, ou Pink Flamingos. Mas sei do que se trata.
Nada é mais impactante para mim do que cenas de documentários reais inseridas em filmes. O precursor disso foi Holocausto Canibal, um shockumentary que dizia mostrar mortes verdadeiras.
Um dos filmes mais belos da história — e mais chocantes — é Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais, clássico da nouvelle vague. Ele narra a história de amor entre uma francesa e um japonês, mas intercala imagens reais da tragédia da bomba atômica.
O mesmo Resnais dirigiu Noite e Neblina, documentário fortíssimo sobre a Segunda Guerra Mundial. Claro que nunca tive coragem de ver.
Uma vez perguntaram a Gaspar Noé se ele era psicopata — pergunta compreensível, dado o teor dos seus filmes. Ele respondeu que a magia do cinema está no fato de sabermos que é tudo encenado.
Se fosse real, ele não conseguiria dormir. Como qualquer pessoa normal. É por isso que os documentários chocam tanto.
Gosto de ver filmes artísticos no MUBI, mas navegando por lá, só pelos trailers já se nota o grau de polêmica. Um explora tabus da sexualidade feminina. Outro, vencedor do Oscar, mostra a transição de um garoto para uma mulher — com cenas eróticas. Ou, ainda, o mais novo Substancia, com Demi Moore, que presta homenagem a Cronemberg com A Mosca, ou mesmo Lynch, com o Homem Elefante. Filmes que tratam da metamorfose de homens em coisas. Um Kafka filmado.
Tenho curiosidade, mas não sei se consigo assistir. Talvez se estivesse num ambiente seguro, como a academia, teria coragem.
Eraserhead”, do próprio Lynch, com certeza verei lá, dentro desse ambiente seguro e controlado. Já coloquei na fila.
Claro que ver cenas de sexo, mesmo discretamente, é constrangedor. Mas arte é arte — e não tem como saber o que vai acontecer num filme antes de assistir.
Com diretores como Fassbinder ou Abel Ferrara, melhor não ver no cinema… com os pais.
Bom… essa foi a minha resenha de Estrada Perdida.
Ou melhor: seria, se eu tivesse entendido o filme.