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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

CROSSOVER ENTRE BRESSON E DOSTOIÉVSKI


 

O RECANTO DAS LETRAS, ORGULHOSAMENTE, APRESENTA:


 

Um encontro entre Bresson e Dostoiévski seria difícil resultar ruim. E aqui aconteceu a consequência mais óbvia: uma obra de arte.

 

E um filme que começa com o personagem dando duas cambalhotas também não pode ser ruim. Está faltando mais filmes assim, com protagonistas que dão cambalhotas do nada, logo nos créditos iniciais.

 

Quando me sinto triste, nunca é uma pessoa que me dá um abraço. Mas quem me afaga nesses momentos é sempre um livro, um filme, uma ideia. E esse é um deles.

Mas ele te dá um abraço para depois escarrar na sua cara.

Começa como um poema de Drummond e termina como um de Augusto dos Anjos.

 


 

Mas qual o nome do filme, Bottini?

Ora, qual a importância de um nome?

A rosa teria igual perfume se se chamasse de outro nome.

 


 

As Noites Brancas: a ponte entre literatura e cinema

Baseado em Noites Brancas, que incrivelmente foi o primeiro livro que li de Dostoiévski. Sim, não foi Crime e Castigo, Irmãos Karamazov, Os Demônios, O Jogador, O Idiota, tampouco Gente Pobre — e sim, esse livro que conta a história de duas pessoas que se encontram numa ponte de São Petersburgo para falar de amor.

 

As Noites Brancas fazem alusão às noites de verão de São Petersburgo, que são sempre claras, demoram a escurecer.

Mas também ao paradoxo entre noite e claridade.

 

Já no filme de Bresson, transportado para Paris, a noite é sempre escura.

Escuro é o destino dos amantes que não se amam.

 

Um filme sobre ela e ele.

 


 

O artista em busca do amor ideal

Ele, um artista. Talvez um artista póstumo, que nasceu no lugar e época errada. Mora num ateliê e divide espaço com seus quadros, seus livros e um gravador, que registra seus pensamentos literários.

 

Um artista que vive pela arte, arte pela arte, e transforma sua vida em arte. Aliás, um quadro não é uma escrita em forma de pintura?

 

Como artista, ele ama uma mulher idealizada. A ideia do amor.

Seu maior anseio é por encontrá-la.

 

Por isso, anda atento na rua, trocando olhares com mulheres — sozinhas, e até mesmo acompanhadas. Na verdade, até mais as acompanhadas.

Com um olhar atento de quem observa algo que lhe falta.

 

Ele é um voyeur.

Mas não um voyeur comum, da vulgaridade, da sensualidade, da sexualidade.

Um voyeur que busca ver o belo.

Um voyeur que além do corpo, quer observar a alma.

Um voyeur que busca, com lupa ou telescópio, enxergar o amor que tanto busca.

 


 

Ela e o inquilino ausente

E ela aparece numa ponte, em forma de uma jovem que chama sua atenção.

Ela conta sua história para ele.

 

Mora com a mãe, que arruma inquilinos — sempre homens — como quem tenta desquitar sua filha.

 

E ele aparece: um inquilino intelectual, estudante, e logo ela arde de desejo.

Busca, pudoramente, desnudar-se para ele.

 

Quando ele vai embora, já apaixonada, ela pede para ir junto.

Impossível, diz ele. Vai para a América estudar.

Mas deixa a promessa de que voltaria.

 

O local da promessa era a ponte — onde ela o esperava, e encontrou outro: o protagonista, artista.

 


 

Promessas, pontes e ausências

Mas ele, o inquilino, não voltou.

Ela e o artista — aparência bem francesa. Um belo casal dariam, se se amassem reciprocamente, claro.

Aquela elegância francesa impermeável, que não gosta de banho.

 

Comovido, ele promete entregar uma carta dela para o antigo amor.

Chegando lá, ele já estava com outra. Ainda assim, ele cumpre a promessa e deixa a carta.

 

No meio do caminho, o seu gravador só toca o nome dela, incessantemente — como se fosse uma obra de arte que ele começou e não conseguiu finalizar:

“Marthe, Marthe, Marthe…”

 


 

Um amor que só ama por não ser amado

Outra noite na mesma ponte.

 

Ela diz que ama ele — o artista.

Ama porque ele não se apaixonou por ela.

Mesmo que seu amor voltasse, ela sempre o amaria… mas como um irmão.

Nunca deixaria de amá-lo.

 

E, no gravador dele, só ecoa:

“Marthe, Marthe, Marthe…”

 


 

A traição inevitável do amor antigo

Outra noite. Ele não veio.

Só seu amigo — o artista.

 

Ela promete esquecê-lo. Diz que precisa de um amor como o dele.

Então ele faz a revelação fatal:

“Eu te amo.”

 

E os dois têm um momento de lascívia e até amor, naquela noite.

Mas que durou só até ela ver de longe o antigo amor.

Aquele que nunca deixou de ser.

 

Imediatamente, ela sai correndo.

Abandona seu amigo da ponte.

Lança-se nos braços do inquilino.

Dá-lhe um beijo.

 

Mas, como despedida, também beija o amigo — o artista.

Porém não olha para trás.

Volta de mãos dadas com o inquilino.

Aquele que fugiu.

Aquele que, enquanto ela esperava na ponte, estava com outra.

Aquele que tinha o direito de esquecê-la, como diz no filme.

Mas não tinha o direito de fazer sofrer quem a amava tanto.

 

Mesmo assim, o amor desconsidera os erros do passado para viver o presente.

E ela nem olhou para trás.

 


 

Epílogo: o artista e a repetição infinita

Já o nosso protagonista ficou sozinho, com a ideia do seu amor ideal, seus quadros e seu gravador.

Ainda reproduzindo em looping:

 

“Marthe, Marthe, Marthe…”

 


 

Quatro Noites de um Sonhador.

 



DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 16/05/2025
Alterado em 16/05/2025
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