Paul Thomas Anderson, eu conheço o seu tipo.
Se nós somos feitos de pó, do sal da terra, a terra de que eu e você somos feitos é de outra galáxia, longínqua, distante da Via Láctea. Os iguais se entendem.
Você não estudou cinema formalmente, Paul. Quem diria. E mesmo assim dirige e escreve seus filmes, que são totalmente autorais.
Weber falava sobre o dogma dos predestinados a serem salvos pelo dinheiro — que Deus concede essa graça. Mas, para mim, uma dádiva muito maior é quando Deus concede o talento, mesmo inatamente, como o seu. E Ele só pode conceder isso a quem Ele quer bem.
Paul, a crítica elogia muito seu Magnolia. Mas como somos nascidos na mesma galáxia, você não me engana, Paul.
Ali você copiou Short Cuts, de Robert Altman.
E por mais que seu filme seja bom, eu prefiro o de Altman.
Mas… você fez um bom trabalho.
Porém, agora o seu gênio aparece em dois filmes: Sangue Negro e o insuperável Boogie Nights.
Ali você foi criador por excelência.
Fez Vício Frenético também — que é passável, já que você coloca o sarrafo muito alto.
E o que dizer desse filme que eu quero falar aqui: Licorice Pizza.
É incrível, mas eu sou suspeito pra falar.
Adoro filmes com adolescentes bem feitos.
Talvez você também. Como eu disse: você não me engana.
Seria uma sofisticação de John Hughes, que nos brindou com Clube dos Cinco, Gatinhas e Gatões, A Garota de Rosa Shocking, Curtindo a Vida Adoidado, e meu filme de romance predileto, que estou devendo um texto: Alguém Muito Especial.
E até cults como Era Uma Vez na América, os filmes de Wes Anderson (que dizem que sexualiza as crianças, mas ora, isso é feito desde sempre) — em O Profissional, Natalie Portman inegavelmente foi sexualizada. Ou Jodie Foster, uma prostituta salva por De Niro em Taxi Driver. E etc etc.
Certamente você se influenciou. Como na trilogia de Linklater. Em Godard. Em Bonnie & Clyde. Talvez até em Thelma & Louise.
Mas é difícil restituir a genealogia de influências de alguém com tanta cultura cinematográfica.
E pelos diálogos que você escreve… por que não? Intelectual também.
Este filme conta a história do nosso Bonnie & Clyde dos anos 70: Gary e Alana.
É uma história de friendzone, mas que termina como Alguém Muito Especial, de Hughes.
Acho que me identifiquei porque todos que talvez já tenham encontrado sua alma gêmea iriam se identificar. Eu achei a minha. Com a diferença de que a minha nem minha amiga é. E a previsão do final é imprevisível — mas tende a não ser feliz.
É uma história também de frustração, tempo perdido — e não pelo amor vivido.
E a ideia que vem de Aristóteles: de que talento não é nada sem sua constante atualização.
Gary era um ator mirim famoso. Conheceu Alana na agência de fotografias para a qual Gary trabalhava.
Achou ele weirdo, esquisito, sem jeito — mas original, fora do habitual do seu cotidiano.
A atração foi inevitável e imediata.
Porém… com a cláusula fatal do contrato: apenas como amigos.
Mas ele era fofo.
Alana, judia, com um belo nariz retilíneo, um corpo escultural, convidativo — porta do sucesso.
E como ela é ambiciosa, soube usá-lo para adquiri-lo. Sua primeira porta de entrada foi através de Gary, que, segundo ela, seria rico aos 16.
Ele viu sua peça, seu talento, e tinha orgulho de dizer: sua parceira. Namorada até — ainda que sem toque, sem beijo. Só segundas intenções… e financeiras.
Porém, logo vê que a fase de talento de Gary já passou.
Que ele não era mais fofo como antes.
Sua ambição fez com que ela o trocasse por outro — com quem começou a namorar, deixando o coração de Gary dilacerado.
E ele já apresentou o novo namorado para o pai… tudo estava bem, até ele se declarar ateu numa família judia.
Acabando com qualquer clima, para o desespero de Alana.
Mas isso mostra: você pode ser fofinho, engraçado, interessante…
Mas o que importa é dinheiro, fama — e sex appeal também ajuda.
Gary, gordinho, simpático, com espinha, weirdo… não tinha chance.
Mas algo estava reservado para os dois pombinhos.
Almas gêmeas não se separam nem pela força do acaso, quando o destino os une.
Borboletas sempre voltam pro seu jardim.
E aqui eu faço uma elipse — pro texto não ficar longo — e já falo do final.
Que é clichê. Mas um clichê bem feito.
E justamente não falo do meio do filme, porque aí Paul perde o ritmo da narrativa. Fica bem moroso.
Então…
Há uma corrida. Uma necessidade imediata de ver o outro.
A consciência, em um instante, do que estava sempre presente.
Os dois correm, entre a multidão, um em direção ao outro.
Depois de duas horas de filme, só no final vem o beijo entre os dois — que todo mundo estava esperando e sabia que ia acontecer.
E mesmo assim assistimos parados o desfecho previsível.
Bem… não eu, que assisti enquanto fazia esteira.
E o filme acaba com a frase mais simples e eloquente da história da comunicação.
Três palavras que comunicam um mundo de significados — e um destino.
As mais temidas, fatais e belas: eu te amo, Alana.