Quantos textos são publicados diariamente no Recanto? Façamos a contabilidade da mediocridade junto comigo: 24 textos aparecem na home, que se modifica totalmente a cada uma hora. Em 24 horas, isso dá 576 textos. Fora os que não aparecem por serem do mesmo autor (o site só permite um texto por autor na home), digamos que o número total gire em torno de 600 textos diários.
E desses textos, quais realmente são bons, bem escritos, com um mínimo de conteúdo que justifique o esforço da publicação?
Considerando que posto uns 4 textos ao dia, você já subtrai essa quantidade de qualidade dos demais. Então talvez sejam postados mais uns 7, para ser otimista, bons textos por dia — além dos meus próprios.
Meu colega — e algoz alemão da Shopee — diz que às vezes, sem ler a assinatura de quem escreveu, já sabe identificar o autor, e chega às lágrimas de emoção em seu rosto senil, carcomido e debilitado. Porém, nem sempre é positivo identificar previsivelmente um estilo, ou não.
A importância dos valores e estereótipos é fundamental. Eles permitem que as pessoas saibam o que esperar de você antes mesmo da ação, sem que você fale nada, com base na sua aparência e na fidelidade das suas ações.
Os bons valores não se dividem segundo a lógica cristã e kantiana do bem e do mal, mas sim através da distância — ou proximidade — entre a prática do discurso e as ações de uma pessoa. Quando há divergência entre ambos, chamamo-nos de hipócritas.
A marca de um artista, sua assinatura, seu estilo — como citei no caso de grandes autores do cinema — é crucial para sabermos o que esperar de um filme inédito que nunca vimos, através da sua marca e valores.
E o estereótipo de sua vestimenta, cuidado e elegância no modo de se vestir, são os valores visuais de uma pessoa. Sua identidade visual.
O que é uma grife? Algo que vale mais do que o material em si, mas cujo valor está no poder do que representa como ideia e conceito. Daí o valor de uma Apple, uma Mercedes, uma Harley-Davidson, um Rolex. Quem usa esses produtos, além de usufruir do material, usufrui da mensagem de mundo que eles transmitem.
Por isso a importância de se ter valores, uma marca, uma identidade visual. Mas enquanto uns são grifes, outros são bijuterias — ou kitsch — como um Romero Britto ou Paulo Coelho.
Ainda sobre a importância dos valores: na área atlético-esportiva, de técnicos de futebol, quando você vai atrás de um treinador com valores delimitados, uma marca ou uma grife — antes do trabalho de fato se iniciar — você já sabe o que esperar.
Se contrata um Diniz, terá um jogo mais lúdico e sem competitividade.
Um Renato Gaúcho: um paizão de vestiário, um boleiro.
Um Abel Ferreira: um técnico competitivo e pragmático.
Um Jorge Jesus: alguém que quer dominar o adversário.
Um Guardiola: um vencedor que joga bonito.
E assim também é com a cultura, com os autores, com as pessoas autônomas — no Recanto ou na vida individual.
Alguns autores, só de ler o nome, você já sabe que o conteúdo será bem fraco, ou pelo menos o que esperar — e por isso prefere se afastar da sua escrivaninha. Outros, sem sequer ler, você sabe que será bom, pela consistência e padrão de qualidade.
Eu, que estou num momento de maturidade intelectual e física, tenho preocupação tanto estética quanto de conteúdo, e criei a minha marca pessoal.
Alguns autores são bons, mas pela falta de senso estético e por não terem a técnica de como fazê-lo, apenas escrevem. Eu vou além.
Quem conhece os textos de Max Weber sabe que sua assinatura é estilizada, e todos reconhecem um título de livro dele. É isso que busco com a minha assinatura — apesar de que, mesmo não assinando, as pessoas já identificam meu estilo.
Na minha coerência atual entre discurso e prática, estou levando a cabo a filosofia dos autores que faço agenciamento — assim como Deleuze ensinava — procurando bons encontros com o mundo, que favoreçam minhas forças éticas de criação.
Desde meu cuidado com o consumo de alimentos, produtos e conteúdo, eu penso antes em como isso irá compor com meu corpo, a fim de melhorá-lo. Antes, eu era só um hipócrita com conteúdo, mas sem sabedoria prática.
Hoje vivo escatologicamente as filosofias que aprendi, como a de Nietzsche e a ideia de que o homem é algo a ser superado. Já passei pela fase do sofrimento do camelo, pela força de vontade do leão para mudar, e agora estou na da inocência — o renascimento da criança, para quem tudo é novo. Um criador por excelência.
E de fato, estou parecendo uma criança, como o primeiro que encontra Zaratustra fala de sua aparência — de que ele iria trazer seu fogo aos montes e que ele não temia o castigo para o incendiário.
Eu pareço com aquela criança que acordava logo quando minha mãe ia trabalhar, para aproveitar mais o dia de brincadeira, mesmo podendo dormir mais. Mas eu levo a brincadeira a sério. E a seriedade, com a leveza de uma brincadeira.
Nos meus agenciamentos, consigo viver a filosofia dos hábitos de Montaigne, dos prazeres hedonistas saudáveis de Epicuro, da importância da amizade e de dar o seu melhor e concentrar-se em suas próprias ações, como diz Epicteto ou Sêneca — heranças do estoicismo.
E a sabedoria de saber que não posso controlar as ações dos outros é também saber que não tenho como controlar a reação dessas garotas que disseram nos comentários abaixo que minhas palavras são expressões de indelicadeza, assédio, desnecessárias — e que eu sou um imbecil.
Vejam e revejam: se ser fiel a si mesmo e criar a si como obra de arte é ser imbecil e assediador, então talvez eu seja, de fato, imbecil e assediador.
Mas esse ressentimento diz mais sobre a falta de espírito e a mediocridade da pessoa do que sobre mim — que só quero criar.