É como se diz no filme O Formidável, biografia humorística do cineasta Jean-Luc Godard, interpretado por Louis Garrel na ocasião da filmagem de A Chinesa, em meio à efervescência da Revolução Cultural Francesa de 1964. O filme retrata de maneira cômica o relacionamento de Godard com uma estudante de filosofia, atriz, uma socialite rica, filha de figurão e muito — muito — mais jovem que o cineasta francês.
Em certa ocasião, ele diz: uma mulher como ela só poderia se apaixonar por alguém como eu. Com isso, ele quer dizer que é um ato de coragem — e talvez de bom gosto —, conhecendo suas qualidades e defeitos, a ousadia de alguém bem-nascida namorar alguém ligado ao socialismo. Embora ele tenha nascido numa família abastada e esportiva, fã de automobilismo, de Real Madrid, de Puskás e Di Stéfano (como se fala, se não me engano, em Uma Mulher é uma Mulher, uma comédia romântica também de Godard).
E eu me aproprio dessa frase para dizer que a pessoa que amo só poderia se apaixonar também por alguém como eu, pelo bom gosto dela — além de uma coragem. Uma poeta. Alguém que escreve desde cedo, com bom gosto, beleza e elegância. E estou falando dela, não de mim.
Mas a principal beleza dela é interior: de personalidade cândida e natureza plácida e boa, carinhosa e amorosa, até por alguém que às vezes não fazia justiça a esse amor — como eu.
Ela cuidou de mim mesmo ausente (ora, Deus não cuida assim de seus filhos), como se eu fosse um de seus pacientes infantis da pediatria, com a mesma diligência e cuidado.
Me amar através da minha página, pelos meus escritos, é fácil. Na verdade, quem me ama pela minha página do RL ama o Dave le Dave. Agora, amar o David é muito mais difícil.
Mas hoje o David está cada vez mais parecido com o Dave le Dave. Então, amar a ambos é fácil. Mas quando havia uma discrepância, era mais difícil me amar.
Na verdade, eu não sou livre para deixar de amá-la. Não é uma escolha. Alguém apaixonado é tão livre para deixar de amar alguém quanto alguém é livre para deixar de estar doente. Ele pode se cuidar, tomar medidas paliativas — mas ninguém é livre de deixar de estar doente.
E no final, nosso amor é igual ao que Montaigne dizia sobre sua amizade e amor por Étienne de La Boétie:
“Porque era ele, porque era eu.”
Ninguém é mais adequado para mim do que ela — e talvez ninguém mais adequado para ela do que eu. E só alguém como ela, novamente, assim como a atriz de Godard, poderia ousar amar alguém como eu.
Quero dizer: o “eu” do passado. Hoje em dia é fácil me amar — ou confundir admiração com amor verdadeiro. Apesar de o primeiro sentimento do enamoramento, segundo Stendhal, ser a admiração, como Stendhal também bem sabia: o amor não garante a correspondência.