Começa pelo fato de que abdicar da melhor coisa do mundo — as mulheres — para ficar com um homem, que todos sabem ser a coisa mais abjeta em sua versão nua, é um ato de extrema coragem.
Ir contra toda a sociedade, gostar de uma pessoa do mesmo sexo e desafiar a tendência imposta para viver seus próprios instintos homossexuais exige ser macho para caralho.
Sem contar que, anatomicamente, eles são obrigados a praticar sexo através da parte final do sistema digestivo, algo transgressor e tabu até entre homens e mulheres. Essa prática é muito associada a doenças sexualmente transmissíveis, especialmente ao vírus da HIV.
E sentir prazer com isso — que imagino ser doloroso, embora para alguns seja prazeroso para ambos os sexos — é coisa de caba da peste macho. Inclusive, até a Sandy parece ser uma entusiasta.
Aliás, na conversa da cozinha entre médicos, em que eu estava de entrometido, eles falavam sobre casos clínicos chocantes e da dor, principalmente quando relacionada ao órgão sexual.
Um doutor contou que viu um raio-X de um pau quebrado. Eu confirmei que há um caso na fila do SUS para transplante. O cara queria apenas fazer amor com sua mulher, e, nesse caso de impotência masculina, como faz? A mulher tem que amar muito o cara para permanecer com ele, né? Essa foi nossa reflexão filosófica.
O doutor argumentou que casais velhinhos continuam juntos porque, para eles, o amor já se tornou uma ternura desinteressada, até mesmo pelo sexo. Mas a questão pega no íntimo do homem: psicologicamente, o que o faz sentir-se macho é observar como seu pau fica duro e proporcionar prazer à sua parceira e a si mesmo.
Tudo começou quando eu mencionei uma discussão de trânsito. Um cara sacou um revólver, e o ameaçado respondeu: “Isso aí só funciona na mão de macho.”
Perguntei aos médicos o que fariam nessa situação. Um disse que mataria na hora. Outro, mais reflexivo, afirmou que desmonhecaria o seu pulso assumindo que era gay, sem matá-lo, pois sabia que era macho e isso não o ofenderia.
Parece a melhor decisão, mas desconsidera que o homem é guiado mais pelos instintos. No calor da raiva, o afeto pode ser tão grande que você nem pensaria: puxaria o gatilho. Igual na icônica cena de Irreversível, em que um filósofo, alguém que se esperaria ser racional e ético, dilacera o crânio de um homem com um extintor de incêndio. No momento do ódio, viramos o que somos: animais.
Mas a melhor parte foi quando falamos dos “acidentes” em que pacientes aparecem com um objeto não identificado no reto.
O doutor contou de um caso em que um sujeito “escorregou e caiu pelado justamente no cabo do desentupidor”. Realmente, muito azar.
Outro caso envolvia um desodorante roll-on com camisinha. Bom, pelo menos o cara era prevenido. A esposa dele exigiu explicação do médico, mas, graças à confidencialidade, ele não revelou que o marido tinha um objeto atípico no ânus.
Mas qual seria a explicação mais provável? Talvez ele tenha colocado a camisinha no roll-on para passar na axila ou na virilha. Talvez sua pele seja sensível ao toque. Aí, nu, enquanto se “perfumava”, o desodorante deslizou da mão dele, ele tentou pegar, escorregou e… acabou caindo bem em cima do desodorante de pé. Sim, uma explicação perfeitamente plausível. E vocês aí pensando besteira.
E, nesse momento, meu colega hermano apareceu. Ele trabalha comigo e também em um pronto-socorro. Contou que, por lá, as mulheres costumam aparecer com garrafas nas partes íntimas, o que torna a cirurgia para remoção algo muito delicado.
Coragem delas, ousadia e até criatividade para sentir prazer, né? Essas gostam de viver perigosamente. Nesse caso, seria muito mais fácil arrumar um macho. Para uma mulher com tanta vontade de dar assim, não faltariam pretendentes.
Levantei a questão: se há mesmo essa confidencialidade entre médico e paciente, por que o diagnóstico contendo o CID da doença passa por tantas mãos?
No meu trabalho, por exemplo, preciso acessar esse dado para tentar uma vaga pelo SUS. A resposta dos médicos foi que todos nós fazemos parte dessa cadeia de confidencialidade.
Por isso, é necessário extrema responsabilidade com o nome do paciente na consulta. A diretora do posto onde trabalho só concede acesso a quem confia. Eu tenho porque ela sabe que não vou fazer cagada, enquanto alguns colegas usam senhas de terceiros.
No atestado médico, o paciente pode optar por não mencionar o código da doença. No meu caso, fui afastado por dependência química. Se eu quisesse sigilo, poderia pedir para não mencionarem. Mas, se precisasse de um psiquiatra pelo SUS, teria que informar todo o diagnóstico a um desconhecido.
Aliás, qual o código para um objeto desconhecido introduzido por “acidente” no reto? Um doutor sugeriu algo relacionado à obstrução dos canais retais. Algo assim.
Mas o fato é que, para fazer tudo isso e ser homossexual, é preciso ser muito macho.
Viver à margem da sociedade, mesmo atualmente, não é para qualquer um.
Muitos preferem ser bissexuais, como o cantor Jão, que, convenhamos, é horrível. Ou como minhas colegas de trabalho lésbicas. Dessa forma, você dobra suas chances de não ficar sozinho.
O único ménage com uma mulher em que participei foi com um casal de lésbicas que me convidou para uma festa. Uma delas era meio tomboy, com o corpo mais cheinho e imperfeito, mas sem celulite e lisinho.
Até me aventuraria com algumas dessas colegas, mas elas são tão fofas juntas que não sinto nenhum desejo sexual por elas. No entanto, se fosse convidado, não poderia negar essa solicitação especial, né? O prazer para mim e para elas passaria até por cima da nossa amizade.
E abrir mão de tudo isso para ficar com homem? O viado precisa ser muito homem.
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Querem mais reflexões instigantes e provocativas como essa? Que tal ouvirem meu Fodacast — o podcast não oficial, apresentado por mim?
Nesse episódio, o assunto são os amores líquidos, aqueles que nascem em um site literário como o Recanto das Letras e se fortalecem através do “69 literário” — o famoso me lê que eu te leio de volta.
Nessa brincadeira, algumas pessoas acabam até dizendo que amam seus parceiros virtuais. Falei sobre isso no meu podcast oficial não autorizado do Recanto, o Fodacast. Se quiser ouvir (e é altamente recomendado que você queira), basta acessar o link abaixo:
https://www.recantodasletras.com.br/audios/mensagens/116246
E quem já escutou, eu editei o audio novamente para tirar as lacunas e melhorar a qualidade do audio, portanto, me prestigiem ae
E, se perdeu o primeiro episódio, é só acessar aqui:
FODACAST: A LINGUAGEM DO SEXO.
🔗 [Link] https://www.recantodasletras.com.br/audios/mensagens/116213