Sempre gosto de usar o exemplo de que a vida é uma folha em branco dependurada em um cavalete. Se o resultado será uma obra de arte ou apenas rabiscos, dependerá da qualidade do artista.
E uma vida artística, criadora, é sempre concentrada em si mesma, nos fatores que se podem mudar, sem se importar com a opinião alheia. A meta é criar a si mesmo como uma obra de arte.
Alguns aforismos são essenciais para entendermos isso.
O primeiro vem do Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo.”
Isso significa, por exemplo, conhecer suas limitações e virtudes, saber onde é preciso melhorar, entender sua individualidade e singularidade. Saber o que lhe faz bem ou mal.
No meu caso, por exemplo, quando treino, sei que o corpo que melhor se adequa a mim não é o volumoso e musculoso, mas o esbelto, atlético e definido. Quero hipertrofia, mas sem crescer demais, para não perder minhas roupas e continuar bem vestido — ou até mesmo nu. Um porte atlético, modelo sarado, é o que me faz bem. Uma musculação estética, não de bodybuilder.
Esse aforismo se liga a outro, de Nietzsche: “Torna-te quem tu és.”
Ele complementa a ideia anterior. Significa tornar-se aquilo que combina com sua individualidade única, sem ser influenciado por fatores externos, agindo de acordo com sua essência e seu lugar natural.
Viver dessa forma exige privilegiar sua própria vontade, sua potência criativa e sua singularidade, sem abrir mão do caminho escolhido. É dar a si mesmo seu próprio bem e seu próprio mal.
Como Nietzsche define:
“É no seio do terreno sobre esta terra, nesta vida, que é preciso distinguir o que vale a pena ser vivido e o que merece perecer. Se em tudo aquilo que queres fazer, começares a te perguntar: será que quero mesmo fazê-lo um número infinito de vezes? Isso será para ti o centro de gravidade mais sólido.
Minha doutrina ensina: Vive de tal maneira que devas desejar reviver. É o dever. Aquele cujo esforço é a alegria suprema, que se esforce. Aquele que ama, antes de tudo, o repouso, que repouse. Aquele que ama, antes de tudo, obedecer e seguir, que obedeça. Mas que saiba bem aonde vai a sua preferência. E que não recue ante a nenhum meio. É a eternidade da vida que está em jogo.”
Essa doutrina não possui inferno nem ameaças. Apenas um convite: aquele que acredita nela viverá intensamente.
Isso implica não se deixar influenciar por fatores externos. Instituições como o trabalho ou o ensino, como diz Foucault, são sequestradores do nosso tempo, da nossa vida.
Por isso, é essencial escolher bem a profissão, o ambiente onde passamos nosso tempo e como melhor distribuí-lo. Como uma meretriz, não devemos vendê-lo por vinténs. O tempo e a obrigação só valem a pena se forem impostos por nós mesmos.
Na minha reunião semanal, meu modo distinto de me vestir contrasta com os demais. Embora todos ganhem o mesmo salário, enquanto tomam café de graça na empresa, prefiro ir até a padaria e pedir um expresso de R$10. Tomo dois por dia, gasto R$40 semanais nisso — e essa atitude, para alguns, parece esnobe.
Quando adocei meu café com adoçante na sala, uma garota bem gorda e outra magra riram e tiraram sarro. Mas essa é uma escolha minha.
As risadas delas? Recalque.
Tenho saúde, um corpo atlético e magro, ao contrário delas. E todos ganham a mesma coisa. Se elas não distribuem bem o salário ou não sabem aproveitar para viver bem, o problema é delas.
O homem distinto, artístico e elegante, como diz Balzac, faz todas as coisas parecendo agir como todo mundo — mas, na verdade, de maneira totalmente oposta. Tudo que possui e todos os seus gestos revelam a superioridade de seu espírito nobre e aristocrático.
No fim, um haikai de Leminski resume tudo:
“Isso de se querer
ser exatamente aquilo
que se é
ainda vai
nos levar além.”
É confiar no próprio toque, nas escolhas e decisões que você tomou, favorecendo sua individualidade. Isso ainda gerará bons frutos no futuro.
E para encerrar, vale lembrar: “Só sei que nada sei.”
Esse aforismo nos ensina a manter sempre uma postura humilde diante do conhecimento. Buscar sempre mais. Agindo assim, nosso objetivo final é construir a nós mesmos como uma obra de arte.
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