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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

EX-Dependente químico não recebe ELOGIOS; só desconfiança.

 

A montanha-russa da sobriedade

Na montanha-russa de afetos que é a vida, nos altos e baixos de superar-se e levar uma vida longe do uso de aditivos, meu maior tempo sóbrio foi após a internação—quase dois anos. Outra vez, consegui seis meses sozinho, graças à atividade física. Mas, dessa vez, me sinto mais preparado, porque somei a experiência das duas ocasiões, o aprendizado e a comparação entre minha vida pregressa e a atual.

 

Se há algo a ser elogiado na minha trajetória, é a coerência dos meus textos com meu modo de vida. Porém, na adicção, eu pensava uma coisa, mas o vício era justamente o contrário de qualquer uma delas. O âmago do meu pensamento sempre foi considerar o indivíduo uma vontade de potência, e o uso de entorpecentes reduzia exatamente essa vontade—minha energia vital para viver. Dizem que a cocaína é uma droga que te torna egocêntrico, mas é um egocentrismo voltado para dentro, para o vazio.

 

Por incrível que pareça, há um egocentrismo positivo: a expressão da vontade de potência voltada para fora, para a criação artística, para a manifestação plena de si no mundo. Sem usar nada, sou muito mais egocêntrico, porque estou mais forte—mas esse é um egocentrismo bom, positivo, artístico. E, então, surge minha ojeriza às drogas, minha crítica e meu preconceito ao ver alguém usando. 

 

O nojo do eterno-retorno niilista

Mas esse preconceito que tenho hoje não é o dos reaças conservadores que nunca experimentaram nada na vida e falam sem conhecimento de causa, apenas pelo que ouviram dizer. Eu senti os prazeres e os benefícios, mas não faço apologia às drogas, tampouco as vilanizo. Talvez, apenas alerte. Meu preconceito com usuários vem do fato de que hoje sei que o uso é uma expressão de uma vontade de potência fraca. E tenho nojo do suor da substância, do odor, da insanidade da repetição vazia—do eterno-retorno niilista que não leva a nada, do sepultamento da criação.


E, contrariando aqueles que dizem que, ao usar drogas, as pessoas absorvem uma carga espiritual negativa e acabam “vendo demônios”, ouvindo vozes, espíritos ou até mesmo Lúcifer, eu juro pela minha honra: nunca me aconteceu nada disso. No máximo, tive alguns episódios de confusão mental, mas esses ocorriam até quando eu estava abstêmio—e, na verdade, eram mais consequência do excesso de periciazina do que de qualquer outra coisa.

 

Por isso, digo com certeza: o único mal que a droga me causou foi físico e psicológico, nunca espiritual!

 

Falo com conhecimento de causa, de quem teve o flerte fatal—como na linda música do Ira!—e que se consumiu em busca de um prazer individual. Eu não só flertei com a morte. Eu a beijei na boca. Eu comi o c* da morte. Mas sobrevivi para contar a história. E hoje estou mais forte do que nunca. O que não nos mata, fortalece!

 

E as experiências traumáticas, como a internação na clínica dos horrores? Se, como dizem os Racionais, “fazer o quê? Se cadeia é para homem”, então internação também é. E não é qualquer um que é capaz de passar por isso.

 

Sem elogios, só desconfiança

Há a tendência natural do ser humano de preservar a vida (conatus), um princípio que, em biologia, é chamado de homeostase—o processo pelo qual todo ser vivo busca o equilíbrio. O contrário disso é antinatural e recebe o nome de entropia.

 

Portanto, não estou fazendo mais do que minha obrigação. Compreendo que lutar pela vida e assegurar minha vontade de potência é simplesmente seguir essa ordem natural.

 

Mas não pense que você recebe elogios por estar sóbrio há mais de três meses. Pelo contrário—só desconfiança.

 

Minha mãe fica com meu cartão, eu peço dinheiro para comprar comida, ela chega em casa sem ver nada e já pergunta: “Cadê a comida que você disse que ia comprar?”, já achando que eu cheirei tudo. Só depois vê que, de fato, comprei. Ou quando simplesmente me dá dez reais em dinheiro vivo e me manda um WhatsApp com um 🙏, como se estivesse pedindo aos céus que eu usasse o dinheiro para o que realmente disse que usaria.

 

E eu não a decepcionei. 
 

Ou, então, minha mãe vê a luz do meu quarto acesa de madrugada e já conclui que fiquei a noite inteira acordado por causa de pó, sem conseguir dormir—quando, na verdade, eu só acordei no meio da noite e não consegui mais pegar no sono.

 

Mas não por fé em Deus. Sem heresia—respeito Deus e a fé de todos, sei do poder benéfico da espiritualidade. Mas a fé que me move é a fé em mim mesmo.

 

A metamorfose do espírito

Nietzsche falava dos momentos de silêncio e solidão—do camelo no deserto. Não é à toa que sempre cito Hans Castorp. Sua jornada de aprendizado e amadurecimento nos oito anos em A Montanha Mágica, num sanatório, convivendo com a morte. É simbólico que ele quase tenha morrido pela neve, e eu, pelo snow—como na música do Red Hot Chili Peppers, que faz alusão à cocaína. Ele sofria dos pulmões, e a droga comprometia os meus.

 

Mas aquele burguês pacato, de temperamento bom, gostoso, singelo e banal, que não era especial segundo Thomas Mann—assim como eu—sobreviveu a tudo isso. Mas que viveu uma história especial na especial, assim como eu vivi a minha, sabe que ela é única—e histórias especiais não acontecem com qualquer um, como disse Thomas Mann. Isso equivale a dizer que eu também sou especial, porque, por mais que eu seja simples e banal como Hans Castorp, essa história me pertence.

 

E sua passagem pela montanha representou seu crescimento pessoal, vivendo o dolce far niente, personificando o conceito de ócio criativo de Domenico De Masi. Sua fábula só foi interrompida pela guerra.

 

Mas depois do perigo do desfalecimento, ele entrou na guerra sorrindo, muito mais preparado.

 

E assim sou eu, nesse momento atual.

 

E, chegando a Nietzsche, a fase do leão representa quando cansamos da nossa solidão, quando o espírito se fortalece e se torna forte como um leão para enfrentar valores milenares e criar os próprios. E, por fim, chega o esquecimento de tudo que vivemos. A inocência. A fase da pediatria.

 

A criança.

 

O lúdico.

 

O recomeço.

 

A criação artística.

 

Vivenciar os acontecimentos como se fosse uma criança—para quem tudo é novo, inédito. Tudo assume cores mais vibrantes, mais vivas, escalafobéticas. E eu sei dar a tudo isso contornos coerentes e elegantes.

 

E esse é o momento atual que estou vivendo.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 07/03/2025
Alterado em 08/03/2025
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