”Dave Le Dave, ‘mim ajuda’!” — Li seu texto sobre como passar pano para a ditadura, apliquei suas técnicas com êxito e, agora, quero saber: como faço para acabar com os wokes?
Não aguento mais ver negro ingressando na faculdade brigando por igualdade social e reparação histórica, tirando espaços dos brancos e bem-nascidos. E os pobres, então? Lotando os aeroportos, ocupando nossos lugares de distinção social.
Sem falar nos estrangeiros, que roubam nossos empregos e, daqui a pouco, vão querer comer nossas mulheres e filhas. O que eu faço, ó guru supremo Dave Le Dave? Dou o que você quiser, mas em dinheiro vivo, porque só trabalho com cash de miliciano, igual ao Bolsonaro!”
Calma, reaça, está tudo bem agora! Eu estou aqui para ajudar, igual aos Ursinhos Carinhosos – só que, aqui, o sinal é tiro pro alto, e não arco-íris.
Muitas das técnicas que você aprendeu no meu texto podem ser aplicadas aqui, então não irei repeti-las. Falarei apenas das inéditas. Mas não se preocupe, você não precisa ler nada – ou eu garanto seu dinheiro de volta.
Primeiro, você tem que banalizar tudo, jogando no mesmo balaio para evitar que a discussão se aprofunde e fique complexa. Afinal, nós dois sabemos que você tem menos neurônios que uma ameba.
Então, coloque tudo no mesmo saco: LGBTQIA+ (whatever), negros, índios, pigmeus, anões, duendes, gêmeos siameses, albinos e outras minorias sem oportunidade. Tudo a mesma coisa, tudo woke.
Não precisa se aprofundar na origem do movimento. Apenas chame tudo de woke. Assim como “comunista” já foi um xingamento, use “woke” para agredir verbalmente, atribuindo um tom pejorativo à palavra e deslegitimando sua luta contra a desigualdade e por reparação histórica.
Para dar um ar intelectual, evoque novamente a Escola de Frankfurt e relacione tudo ao comunismo, ao stalinismo, ao marxismo, a Paulo Freire, a Fidel, a Che Guevara e, de novo, a Paulo Freire – porque repetir nomes sempre dá mais credibilidade.
Associe tudo o que não presta a um deles, como bode expiatório, e, para reforçar, faça um paralelo espiritual. Diga que sua causa é divina e que eles são as serpentes do mal. Comunique que os comunistas não apenas comem criancinhas (antropofagicamente), mas também são pedófilos – porque não, né?
Mas ignore que a Igreja fez as mesmas coisas na Inquisição e nas Cruzadas (aliás, melhor nem citar isso, para não sermos pegos de calças curtas).
Para dar um ar científico e legítimo, una tudo com números falaciosos, como os do livro O Livro Negro do Comunismo.
Atribua toda a desgraça e todas as mortes a Marx. Não tenha vergonha de exagerar. Sim, foram mais de um trilhão de mortes causadas pela influência de um único autor. Sua escrita, afinal, era diabólica.
Em um dia bom, os comunistas chegaram a eliminar até dois trilhões de cidadãos cristãos inocentes. Não se preocupe se um número desmentir o outro – isso só dá mais ênfase à coisa e corrobora o drama.
Agora, precisamos arranjar um jeito de relacionar tudo ao movimento woke…
Deixa eu pensar… Já sei! O movimento woke ressurgiu com o Black Lives Matter, que significa “Vidas Negras Importam” – a mesma cor do luto pelas mais de cinco trilhões de milhões de mortes que O Capital causou.
(Às vezes, acho que a morte veio porque o livro é tão difícil que, ao tentar entendê-lo, as cabeças simplesmente explodiram.)
E, justamente, o best-seller dos reaças se chama O Livro Negro do Comunismo…
Logo, há uma ligação clara entre o marxismo e o movimento woke. Vai ser difícil alguém refutar isso.
Mas claro, tudo isso é irrelevante diante da ameaça real que enfrentamos: a ascensão dos wokes.
Veja bem, antes das cotas, as universidades eram lugares pacíficos, com alunos uniformemente brancos discutindo Platão e Adam Smith, sem ninguém para reclamar de racismo estrutural.
Agora, com essas políticas de inclusão, jovens negros invadem as salas de aula como se tivessem direito a um diploma, ignorando a nobre tradição de meritocracia, onde só os que nascem em bairros nobres e estudam em colégios particulares realmente merecem uma chance.
O pior é que as cotas deram resultado. Estudos acadêmicos mostram que, após a adoção dessas políticas, a evasão de alunos negros diminuiu, a renda média dos beneficiados aumentou e a diversidade dentro das universidades enriqueceu o ambiente acadêmico.
Mas não podemos deixar que esses fatos atrapalhem nossa narrativa de que tudo está sendo destruído pelos wokes.
E então veio Barack Obama, o estopim dessa decadência woke. Quando ele foi eleito presidente dos EUA em 2008, muitos disseram que isso provaria que o racismo tinha acabado – afinal, um negro chegou à presidência, certo?
Mas, surpreendentemente, pesquisas mostram que o impacto real de sua vitória foi outro: aumentou a autoestima e as aspirações de jovens negros, que passaram a acreditar que também podiam ocupar espaços de poder.
Pior ainda, estudos indicaram que estudantes negros começaram a confiar mais em seu próprio potencial e nas possibilidades de ascensão social.
Um escândalo! Imagine só, negros achando que podem chegar lá!
Portanto, sigamos na nossa missão de deslegitimar o movimento woke.
Porque, se não fizermos nada, daqui a pouco, não apenas teremos negros na universidade e ocupando cargos importantes, mas eles ainda vão querer algo ainda mais ousado: serem tratados como iguais.
E aí, quem vai sobrar para lotar os aeroportos, servir nossas mesas quando estivermos jantando em restaurantes caros, guardar e limpar nossos carros luxuosos — e servir de estatística para nossos memes sobre pobres viajando?