Sou maloqueiro, sofredor e alguém que escreve. Não sou corinthiano nem escritor, graças a Deus! Também não atribuo a mim mesmo o epíteto de poeta. Não! Poesia é coisa de profissional, não de amador!
“fazia poesia
e a poesia que fazia
não é essa
que nos faz alma vazia”
Até me causa urticária ler a poesia de alguém grandiloquente que se autoproclama poeta, como se estivesse na mesma categoria de Drummond, Leminski, Ovídio, Horácio, Virgílio. A poesia está nos pequenos gestos, no dia a dia, na natureza, na simplicidade — não na megalomania dos que anunciam a beleza das palavras em alto-falante. As palavras são tímidas e recatadas, pudicas, enrubescentes diante desse tipo de exposição ridícula. Gostam de exibir-se, mas discretamente, pecar apenas para quem merece seu pecado. Para esses falsos poetas — não, não são poetas menores — elas usam um cinto de castidade. Aliás, a escrita não pede tantas personas para acontecer, nem despedidas formais para se retirar. Ela apenas continua acontecendo, sem anúncio em alto-falante. Mas não acredito naqueles que ainda se autodenominam “poeta” e “escritor” e dizem ter escolhido o anonimato. Sim, escolhido — pelos outros! São os que acreditam que a arte deve falar por si só. Mas, agindo assim, só garantem que sua obra permaneça onde deve estar: intocada, como um tesouro literário para gerações futuras… que vão ignorá-lo solenemente!
“fazia poesia
e a poesia que fazia
tinha tamanho família”
E eu não sou escritor profissional. Embora merecesse, não ganho ou espero ganhar um vintém por um texto. “A penny for the Old Guy”, como diz a introdução do poema Os Homens Ocos, de T. S. Eliot. Queria passar meu chapéu, mas ele volta vazio. A única retribuição que recebo é indireta: ver as pessoas mais criativas, mais confiantes, escrevendo mais. E para mim, isso já é uma remuneração mais do que necessária.
Essa revolução invisível que a escrita faz e provoca no mundo ao nosso redor, tornando-o mais parecido com nossa imagem e semelhança:
“fazia poesia
e cada tábua que caía
doía no coração”
Sou um diletante da escrita, um Robin Hood francês cujo arco e flecha é o engenho. Roubo as letras dos ricos para dar aos pobres. Sou apenas alguém que escreve compulsivamente. Escrevo porque preciso. Assim, existo. Assim, sou EX-ISTO!
“fazia poesia
e fez alto em nossa folia”
Escrevo, logo existo:
“fazia poesia
e a maioria saía
tal a poesia que fazia
fazia poesia”
Não busco títulos, reconhecimento, medalhas — como Mutley, que só agia se ganhasse uma insígnia de Dick Vigarista: “Medalha! Medalha! Medalha!” Não acredito nessa instrumentalização do saber, porque aí a escrita vira um meio, não um fim em si mesma. Entra numa cadeia de utilidade: passar no vestibular, tirar nota 1000, conseguir um bom cargo, uma maior remuneração, escrever uma tese acadêmica… Mas não para provocar deleite, não para valer por si mesma.
“fazia tanta poesia
que ainda vai ter
poesia um dia”
Prefiro escrever de forma amadora. Me denomino, sem presunção, nem escritor, nem poeta, nem filósofo, nem nada. Apenas alguém que escreve. Que faz filosofia na prática, no corpo, de modo indelével. Desejo que a força dos hábitos marque minhas feições e meus gestos, como o pescador cuja pele perdeu sensibilidade pelo sal do mar, o boxeador cuja mandíbula foi moldada pelos golpes, ou o palhaço que já não consegue tirar o sorriso da boca, mesmo sem maquiagem.
Alguém cuja própria imagem personifica a poesia:
“Moinhos de versos
Movidos a vento
Em noites de boemia
Vai vir um dia
Quando tudo que eu diga
Seja poesia!”