“With insomnia, nothing is real. Everything is far away. Everything is a copy of a copy of a copy.”
— Clube da Luta, David Fincher
Você conhece o filme Clube da Luta? A história de um cara que sofre de insônia e, para tentar sentir algo real, se envolve em grupos de apoio para doentes terminais e, depois, em um clube clandestino de luta. Baseado no excelente livro de Chuck Palahniuk, o filme é uma crítica corrosiva à superficialidade. O protagonista tem um bom emprego, uma vida confortável, mas coloca fogo no próprio apartamento para fundar uma sociedade secreta ao lado de Tyler Durden, seu alter ego — sua projeção idealizada, sua fuga narcísica, sua máscara.
A relação entre os dois tem nuances ambíguas, até pederastas, e se desdobra em um trio amoroso onde ele é preterido… por ele mesmo. Um retrato brutal da dualidade humana: quem ele queria ser e quem ele realmente era. No último ato, ironicamente, é quando ele finalmente deixa de ser “uma cópia de uma cópia de uma cópia” e se torna singular. Ali, ele encarna o Übermensch nietzschiano, rompendo com os valores de rebanho que antes o aprisionavam.
Agora, me dizem que eu sou uma cópia da cópia? Que meus textos não têm autenticidade? Que sou só um ctrl+c, ctrl+v feito por inteligência artificial?
A inveja é foda, mas até o recalque precisa de limites. Que reconheçam o mérito!
Trabalho com agenciamentos — Deleuze, Nietzsche, Ovídio, Nelson Rodrigues, Machado de Assis. Mas será que Nietzsche escreveria meus textos sobre cinema? Nem existia cinema no tempo dele. Nelson Rodrigues, talvez, tivesse escrito sobre o verbo “comer”, mas será que ele usaria essa mesmo tom, essa mesma pegada? O humor irônico de O Dentista que Não Tinha Dinheiro Nem Pra Um Motel poderia até estar ali, mas a acidez libertina do meu texto sobre sexo… será que viria de Machado? Improvável.
E em menos de 24 horas, escrevi nove textos. Nove. Discorri com sagacidade e proeminência sobre cinema, gramática, mitologia, filosofia, Epicuro, Sócrates, O Banquete de Platão, cultura pop, Nietzsche, poesia. Com preocupação de estilo, qualidade literária e assinatura própria.
Isso é cópia da cópia? Ou isso é um estilo único?
A crítica tem que ser justa. Em vez de gastar saliva, melhor aplaudir.
Tem gente que está há mais de uma década no Recanto e não conseguiu produzir um material culturalmente tão rico quanto eu fiz em menos de um dia. E tem gente que, mesmo escrevendo a vida inteira, nunca produzirá um único texto que chegue perto, em qualidade, dos nove que escrevi nesse intervalo.
Como diz o slogan das Havaianas: “ quem conhece Dave le dave sabe e recusa imitações.” Se você é tão bom, faça melhor na sua página. Se conseguir, eu aplaudo. Mas lembre-se: você tem menos de 24 horas? Porque eu não via alguém produzir tanto assim nesse período de tempo desde Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993).
Mas, é claro, essas 24 horas não são o trabalho de um dia, e sim o resultado de uma vida inteira estudando, lendo, aprendendo. Enquanto isso, tem gente se remoendo, assistindo vídeos de três minutos no YouTube, achando que pode fazer igual.
E para encerrar, uma última referência a A Montanha Mágica (Der Zauberberg, 1924). Hans Castorp, no meio de suas reflexões, chama Settembrini de tocador de realejo, ironizando a forma como ele repete incessantemente seus ideais iluministas, sem perceber suas próprias limitações. É curioso como essa crítica se aplica perfeitamente a certos intelectuais de rede social: presos a fórmulas, reafirmam suas convicções sem abertura ao diálogo real, girando sempre as mesmas ideias como um realejo enferrujado.
Mas eu? Eu sou Hans Castorp, um tanto burguês, mais curioso! Eu escuto, absorvo, reflito. Eu entendo o realejo e o ultrapasso. Porque no fim das contas, aqueles que realmente aprendem são os que se permitem sair do automatismo, e não os que seguem girando a mesma manivela para sempre.