Diz-se que um jogador de futebol morre duas vezes: a primeira quando se aposenta e a segunda quando deixa a vida. Da mesma forma, um escritor — mesmo que diletante — já começa a morrer quando abandona a escrita, e só conclui esse ciclo ao partir de vez. Talvez deixar de escrever, para quem ama escrever, seja um sintoma de quem já se cansou da vida.
Por outro lado, há algo de “guerreiro de Deus” naquele que expõe seus escritos ao escrutínio público, sem censurar comentários, confiando na própria força e no poder da argumentação. Ao mesmo tempo, a fuga da escrita pode ser a admissão de que, na verdade, não se tem mais nada a dizer. “Você que fugiu para vencer, ó pátria, que deixa então ao vencido?”
Nietzsche admitia a importância dos momentos de silêncio e solidão no deserto — a fase do camelo, quando ainda não somos fortes o suficiente para nos tornarmos leões, nem criativos e inocentes como a criança que supera o homem.
E então, há a questão do negacionismo e do reacionarismo travestidos de saudosismo. Há algo de cômico e paradoxal na imagem que uma vez eu vi de um adolescente em um Starbucks, escrevendo em uma máquina de escrever. Escrever no papel é ótimo, mas ninguém compõe uma nova Comédia Humana, de Balzac, diretamente no papiro atualmente.
Woody Allen é conhecido por dirigir filmes nos quais ele é tanto diretor quanto roteirista, produzindo quase um filme a cada dois anos. Ele os escreve em uma máquina de escrever, cortando e recortando os trechos manualmente com uma tesoura. Imagina quanto sua produção não aumentaria se ele se atualizasse e usasse um software de escrita de roteiros? Será que isso ajudaria em sua criatividade ou produção, ou atrapalharia?
Às vezes, a nostalgia não é benéfica. Por exemplo, é um luxo ter livros em edição física, mas hoje, com o Kindle, tenho acesso a uma vasta biblioteca na palma da mão, posso fazer marcações nos livros e lê-los imediatamente, procurar palavras que não conheço com um simples gesto. É muito mais prático. Antes, eu teria que fazer fichamentos, transcrever trechos, consultar um dicionário.
Às vezes, a nostalgia é boa, mas o passado pode ser reacionário. O pior é quem sente saudades de um passado que nunca existiu, como os saudosos da ditadura, que negam seus terrores. A inveja é algo demasiadamente humano, já diria Nietzsche, e natural. Mas o pior tipo de inveja é a intelectual, porque a inteligência deve ser admirada e servir de inspiração. Se for algo invejado, pode simplesmente paralisar, em nome da comparação, sem focar na própria produção, no que você faz bem.
A escrita, afinal, não precisa de tantos títulos ou personas para ser significativa. O importante é o conteúdo e a conexão que criamos com quem nos lê. Se a escrita é um “mosaico de fragmentos”, a literatura não exige despedidas formais – ela apenas continua acontecendo.
Se há tanta reverência ao RL, por que sair, professora, poeta? Se a escrita é um chamado, por que se calar? Ou será que o silêncio também é um desejo de ser lido? Quem não sabe brincar, não deveria descer para o playground.