Erasmo de Roterdã escreveu Elogio da Loucura, mas o desejo que me arde é outro—louvar e exaltar a mulher safada, movido por um espírito de transgressão, como exige a escrita que Bataille propôs à crítica literária. No entanto, seu erotismo perde em intensidade carnal e se afoga em intelectualismo. É quase um exercício filosófico, e o prazer não pode ser transformado em pensamento enquanto é puramente instintivo. Bataille não conhece o prazer verdadeiro, físico, real—apenas o do mundo das ideias. Ele é um ficcionista, um inventor, um poeta. E todo poeta é um mentiroso, como sabemos. “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”, diz pessoa sobre essa raça.
Para mim, o exercício de Bataille ao descrever o proibido da mulher e da transgressão se assemelha ao filme Festim Diabólico (Rope, 1948), de Hitchcock—onde estudantes dão uma festa enquanto ocultam o corpo de um homem que assassinaram, apenas para se testarem. Ou como Raskólnikov, que comete um crime por se crer um homem superior, mas acaba esmagado pelo fardo de sua ação. Sim, Bataille é um hipócrita do sexo. Como leitor, eu o declaro: ele não viveu intensamente as experiências que descreve.
Da mesma forma, Deleuze falava sobre uma filosofia das intensidades sem jamais sair de seu gabinete. Nietzsche se via como um super-homem, mas sucumbiu ao ver um cavalo açoitado e terminou soterrado pela solidão. Criou uma obra potente, é verdade, mas não a viveu. Eu, sim. Eu vivi a obra de Deleuze e de Nietzsche por eles.
Do mesmo modo, Foucault criticou as instituições de correção do homem sem nunca ter sido internado de fato em uma delas. Eu já fui. Então, eu posso falar de superação. Eu posso falar da filosofia da diferença na prática. Eles são teóricos—eu faço filosofia no corpo, no suor, na carne. Tudo é vivido, sentido, demasiadamente humano e real.
E, assim, eu louvo e faço ode à mulher safada. Porque, por mais que eu invente ou aumente os fatos, eu os vivo. “Eu aumento, mas não invento” — já dizia o saudoso… (Ele já morreu?) Nelson Rubens
No filme A Mãe e a Puta (La Maman et la Putain, 1973), do excelente Jean Eustache, Jean-Pierre Léaud interpreta Alexandre, um jovem parisiense errante, sem ambições concretas, que se vê envolvido com duas mulheres. De um lado, Marie, sua companheira estável, mais velha, que lhe oferece uma espécie de refúgio maternal, ainda que ele a traia constantemente. Do outro, Véronika, uma enfermeira sexualmente desinibida, que desafia qualquer ilusão romântica ao se entregar ao prazer sem promessas.
O dilema que atravessa o filme e também a própria condição masculina é esse: a mãe é a mulher que se ama, mas nem sempre se deseja fisicamente. A puta é a mulher que se deseja, mas nem sempre se ama. Alexandre hesita, oscila entre as duas, incapaz de conciliar amor e desejo em um único corpo feminino.
Mas por que essa divisão? Por que a mãe e a puta não podem ser a mesma pessoa? Não se pode amar e desejar a mesma mulher? Essa cisão é um cárcere—um dogma herdado, uma castração do desejo.
É por isso que eu faço o Elogio à Mulher Safada. A mulher que não se submete a essa dicotomia miserável. A mulher que é desejável e amante, ousada e instigante, que sabe incendiar os olhos de um homem sem se dividir entre santa e profana.
E não falo apenas da roupa que veste—embora o vestuário revele e comunique sua personalidade, seu estado de espírito. Trata-se de algo mais profundo: uma postura diante do mundo. A mulher safada não se reduz a um fetiche, a um papel. Ela é inteira, plena, sem medo de ser amada e desejada ao mesmo tempo.
Não é segredo ao meu “público” minha predileção pelo modelo de lingerie thong—prefiro essa visão ao corpo completamente nu. Há algo na promessa que supera a revelação, uma expectativa que excita mais do que a entrega imediata. O jogo da insinuação é mais erótico do que a nudez plena, pois antecipa, provoca, faz do olhar um ato de posse e contemplação, um prazer voyeurístico, como aquele que se experimenta ao contemplar uma obra-prima projetada diretamente na tela, refletida na película original, como na cena dos cortes do beijo em Cinema Paradiso—mas, ao invés de romance, com erotismo pulsando no lugar do amor
Mas vestir uma peça provocante não faz uma mulher safada. Safadeza é outra coisa—um incêndio que começa no olhar, um gesto que pede para ser compreendido sem palavras. Mais do que usá-la, a mulher deve saber quando ser safada. E, mais importante, para quem ser safada. Quem merece sua entrega? Quem é digno de seu pecado? Como certa professora de sociologia disse uma vez: quem merece o sacrilégio de sua transgressão?
O amor e a safadeza não apenas combinam—se intensificam. Assim como o amor e o carinho. Um pouco de cada. Um pouco de “eu te amo, sua safada”, sussurrado no auge do êxtase, dito apenas a quem se tem desejo e intimidade. O desejo é eloquente, não mente. Os sinais do corpo são incontestáveis.
O amor gera desejo, mas talvez homens e mulheres o experimentem de formas distintas. A mulher sente desejo pelo toque, pelas sensações, por todos os sentidos—às vezes pela imaginação, pela mente, pela linguagem. O homem, em sua brutalidade primitiva, é mais instintivo, grosseiro, visual. Mas há mulheres que parecem incendiar por dentro, com uma libido que arde sem trégua. Indomáveis, sempre úmidas, aceitam tudo—quase tudo, ou tudo mesmo, desde que o prazer seja mútuo. Algumas não reconhecem limites, nem os impostos pelo desejo, nem os do próprio corpo.
Bataille tentou capturar o desejo, mas o engaiolou em teorias. Nietzsche pregou a transgressão, mas tombou ao ver um cavalo açoitado. Deleuze falou sobre intensidades, mas nunca saiu de seu gabinete. Homens que pensaram o prazer, mas não o viveram. Eu, não. Eu vivo. Eu sinto. Eu o experimento—e o que não sei, imagino, invento
O desejo não é uma abstração filosófica nem uma experiência puramente instintiva—é um equilíbrio feroz, um abismo entre amor e carne, entre ternura e luxúria, entre o “eu te amo” e o “sua safada”. E por que essas duas forças precisariam ser opostas? Por que a mãe e a puta não poderiam habitar o mesmo corpo, a mesma alma?
A mulher que desejo não se divide entre santa e profana. Ela é inteira. Ama e incendeia. Faz-se desejável porque conhece seu próprio fogo. E sua safadeza não é um papel, um artifício barato—é um saber. Um instinto que se manifesta na forma como olha, no modo como se move pelo mundo. Não está apenas na roupa que veste, embora esta também seja linguagem, convite e provocação. Está na postura, na audácia, na arte de jogar com o desejo sem medo de se afogar nele.
E há aquelas que desconhecem limites, que queimam por dentro, que devoram o prazer sem hesitação. Mulheres que não pedem permissão para sentir. Algumas são vorazes, insaciáveis, sempre úmidas, sempre prontas—desafiando até mesmo o corpo, ignorando as barreiras impostas pela carne. São raras. São perigosas. São necessárias.
A mulher safada é um elogio à vida, um corpo em chamas, um grito de prazer que ressoa além do pudor e da culpa. E a ela, apenas a ela, dedico esta ode, este elogio, este texto, este desvario descabido, tão íntimo e público ao mesmo tempo.