Sim, o RL é uma plataforma de textos amadores, mas alguns autores levam esse amadorismo com um rigor quase profissional — e, paradoxalmente, nem o básico conseguem mostrar. Os que se arriscam em alguns versos, muitas vezes, produzem apenas um amontoado de palavras. Embora belas, soam vazias.
Conversando com minha amada amiga Flora, divergimos sobre o ofício e o exercício da poesia. Para ela, nada é mais amador do que a poesia — algo livre, espontâneo, sem amarras. Para mim, ao contrário, poesia é coisa séria, um trabalho de profissionais da sensibilidade, e exige rigor técnico. Não aprecio poesia amadora, embora, por vezes, me surpreenda com versos simples que, na sua humildade, dizem mais do que aqueles que tentam rebuscar o estilo e nada conseguem comunicar.
Há um encanto especial em quem, sem pretensão, transforma a simplicidade em beleza. Algumas das poesias que li aqui — da própria Flora e de outras amigas — carregam uma qualidade rara: falam sem se perder no vazio, tocam porque têm verdade.
Produzir beleza através da linguagem é um talento para poucos, mas é preciso que essa beleza carregue significado. Se a palavra se afoga em hermetismo e símbolos sem propósito, o que resta não é poesia — é apenas um ruído, um naufrágio silencioso.
Leminski dizia que há tanta poesia em quem a escreve quanto em quem a recebe. Porque quem é capaz de ler um verso de Drummond ou da pessoa amada e, ao lê-lo, se emocionar até as lágrimas — esse, sim, é poeta também, ainda que nunca tenha escrito uma única linha.
Toda adolescência, ao amar, já cometeu a imprudência de rabiscar versos ao vazio, escrevendo para si mesmo, sem testemunhas, declarações secretas à pessoa amada. Aos 10, aos 14, todo mundo é poeta. Mas chega a maioridade, as ambições de consumo tomam espaço, e continuar fazendo poesia — como um Ferreira Gullar, um Drummond, um Camões — já não é para qualquer um. Por isso digo que poesia é coisa de profissional.
E quem sou eu para criticar a poesia alheia? Ora, não escrevo muitos versos justamente porque reconheço o profissionalismo desse exercício — e também minhas próprias limitações. Mas, ainda assim, já publiquei meus poemas.
Aprendi a criticar poesia lendo poesia. Com os grandes mestres, sem outro critério além do impacto que seus versos me causavam. Algumas obras me arrebatam, me emocionam, me fazem enxergar a grandiosidade de sua construção. Uma Odisseia, de Homero, uma Metamorfoses, de Ovídio, versos de Horácio — não são achados em qualquer esquina.
Se, ao ler certos textos, certas prosas poéticas, percebo que, apesar das palavras bonitas, elas não encontram uma ressonância polifônica — como diria Bakhtin — é porque li a crítica literária pelos olhos desse grande pensador russo. E também porque li os grandes livros da literatura, estudei teoria literária em Roland Barthes, Georges Bataille, Derrida, Harold Bloom…
Ora, sei quando estou diante de um bom autor. Sei reconhecer uma boa escrita, um texto bem redigido, original, autêntico, com lirismo. E também sei quando algo deve simplesmente passar.
E é bom lembrar: conteúdo não é sinônimo de erudição. Já me deparei com gente humilde, mas com histórias para contar, com algo a dizer — e isso, por si só, já os tornava escritores de alma. Há um autor no Recanto que se encaixa nessa descrição: é gato, musculoso, mas escreve como se estivesse na quinta série. Ainda assim, há nele sensibilidade e originalidade, há substância. Não divulgo sua página para não perder meu protagonismo perante minhas leitoras, mas reconheço que, com um pouco de estudo, ele poderia ser um homem interessante, não apenas pelo físico, mas pelo essencial.
Por outro lado, há aqueles que passaram pelos melhores colégios, que dominam todas as regras, mas não sabem o que fazer com elas. Alguns têm conteúdo, mas não conseguem transmiti-lo de forma singular, presos a um academicismo árido, incapazes de tornar o conhecimento acessível, interessante, vivo.
E há os que não conseguem dizer nada sem recorrer a citações. Mas, afinal, se for para ler apenas citações, prefiro ir direto à fonte.
Há ferramentas de inteligência artificial para pesquisa e elaboração de textos que funcionam como editores de imagem — como o Photoshop, mas para palavras. Elas podem aprimorar a escrita, torná-la mais fluida, mais agradável de ler. Mas não fazem milagres. Nenhum filtro transforma uma foto ruim em uma obra-prima, tampouco um texto vazio se preenche de conteúdo por magia. Tudo depende dos insumos, do olhar de quem opera a ferramenta.
Meu irmão disse algo hoje que ecoa essa verdade: o essencial é o conhecimento que se adquire na vida, pois até para pesquisar é preciso saber o que buscar.
O professor Clóvis de Barros Filho fala da importância do brio ao aprender. Indignado, exclama: “Você só precisa ler o que o autor escreveu e tentar absorver! Imagine o esforço de quem pensou, escreveu, lapidou as palavras…”.
E, no entanto, há quem ache que um conteúdo que leva meros quatro minutos para ser lido é denso demais, como minhas publicações aqui no Recanto, por exemplo.
Eis um reflexo triste de uma sociedade apressada, acostumada a flashes de TikTok, stories do Instagram e mensagens instantâneas, como crianças que precisam de figuras ilustradas para compreender uma história.