A manchete é um artifício utilizado pelos jornalistas para atrair a atenção do leitor, por meio de um título impactante. Não há mal algum em criar títulos chamativos ou até mesmo no estilo clickbait, desde que o conteúdo entregue aquilo que a manchete sugere. O verdadeiro problema surge quando o conteúdo não corresponde às expectativas geradas pelo título, transformando-se em algo vazio, superficial ou, pior ainda, em uma notícia falsa, a famosa fake news.
Recentemente, apontei, ou melhor, denunciei, como o Recanto das Letras tem se tornado mais uma extensão do Facebook, com textos superficiais que se encaixariam perfeitamente nas redes sociais, onde o estilo e a profundidade parecem ser apenas detalhes dispensáveis, assim como a preocupação com a língua portuguesa.
Fui advertido pelo lendário Recantista, meu amigo Miguel Carqueija, que até eu caía na armadilha de me tornar verborrágico ao abordar assuntos pessoais. Admito que uso o Recanto como um confessionário, mas, para isso, existe um gênero literário chamado crônica, que tem como uma de suas funções justamente o relato de vivências íntimas e reflexões pessoais.
Embora não me considere um escritor profissional, utilizo esse gênero com um olhar atento ao estilo literário. Não busco rebuscar meu estilo, mas sempre me esforço para oferecer conteúdo que se sustente, embasado por referências literárias e culturais, sem jamais ser leviano. Isso me distanciaria de muitos conteúdos que hoje poluem a plataforma e ocupam o espaço de bons autores. Alguns desses textos, com sua linguagem acadêmica e chata, se mostram tão vazios quanto aqueles que, apesar de se esforçarem para comunicar algo, acabam por não dizer nada.
Utilizo o Recanto das Letras nos meus títulos justamente para apelar, sem grandes pretensões, ao narcisismo inconsciente dos autores da plataforma. Ao verem essas palavras no título, naturalmente, despertam a curiosidade para entender do que se trata, pois títulos que mencionam a própria plataforma tendem a gerar mais acessos e engajamento. Sabedor do poder de um bom clickbait e da importância de uma manchete chamativa, não hesito em usar esses recursos. Afinal, como qualquer escritor diletante, o desejo de ser lido é inevitável. Escrever não se limita à solitária tarefa de registrar pensamentos, mas, ao contrário, busca um diálogo com o mundo.
Entretanto, nem sempre foi assim. Criei esta página originalmente para uma única pessoa, exclusivamente para me comunicar com ela. Sabia que, ao ver o número de acessos, ela estava lendo, pois só ela conhecia o link. Uma conexão íntima que, no fundo, dava um sentido profundo ao meu ato de escrever.
Curiosamente, é quando começo a ser mais conhecido dentro da plataforma que sinto perder o controle. Entre meus leitores, talvez ela ainda esteja presente, mas, sem ela, a escrita perde o seu propósito. E aqui reside uma questão fundamental: não acredito que possamos atrair alguém que não se importa genuinamente conosco, nem ao ponto de querer entender nossos pensamentos mais íntimos. O verdadeiro pensamento é revelado pela rigorosidade da escrita, não pelo imediatismo da conversa do dia a dia.
Na minha experiência com o sexo feminino, quando há atração, é possível perceber alguns sinais claros. O mais imediato, se a mulher se considera atraente, é a necessidade de se mostrar, de exibir sua beleza para o objeto de seu interesse, esperando, assim, receber sinais de aprovação, como elogios. Isso se traduz em uma maior frequência de fotos postadas, principalmente nas redes sociais, com trocas de imagens que, antes não seriam tão regulares, e até mudanças frequentes nas fotos de perfil. Quando há um bom relacionamento entre as partes, essas trocas podem se tornar mais privadas, às vezes até de caráter erótico, mas não necessariamente.
Em plataformas de texto, o comportamento pode se manifestar de forma semelhante: uma maior frequência de postagens pode refletir o estado de espírito da pessoa, ou até mesmo um desejo de se aproximar mais do outro, de se expor no que se sente confortável. É como a mulher que se sabe gostosa que desfila pelas ruas e passarelas, exibindo suas formas lascivas e voluptuosas, com a confiança de quem sabe sua atratividade e gosta de ser vista.
No entanto, acredito que o verdadeiro interesse deve transcender a atração superficial, passando a um envolvimento genuíno com o objeto de nosso desejo, de nosso amor. Deve-se procurar conhecê-lo mais profundamente, absorver suas referências, “antropofagizá-lo” — ou seja, devorá-lo para entender suas origens, seus significados. Quando me relaciono com alguém ou com o mundo, sou transformado, e também sou capaz de transformar, e é assim que surgem as grandes mudanças. Esse processo dialético gera a síntese — a capacidade de compreensão e a criação de algo novo. Caso contrário, haveria estagnação.
É por isso que o mal só existe por causa do bem. Na dialética da vida, a dor só tem sentido por causa do prazer; a vida, por causa do sofrimento do parto. A artista, assim como a mãe, não cria sua obra-prima de maneira fácil ou divina. Ela a gera por meio da dor e do sofrimento. Contudo, quando essa criação finalmente vê a luz, não é algo sobrenatural — é uma nova criação, um recomeço.
Nietzsche, com sua metáfora da criança, falava sobre o último estágio do super-homem: a criança representa um novo começo, um esquecimento, uma inocência que simboliza o renascimento. A obra do artista também passa por esse processo de criação, emergindo da dor e da transformação que a precedem, como uma criança que nasce depois de ter superado as fases do camelo e do leão.
No filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick, a figura da criança recém-nascida, que nasce novamente, simboliza o nascimento de uma nova humanidade. Ela é o recomeço. Por isso, uso títulos como “Recanto das Letras”, não apenas para atrair leitores a textos como esse, mas também para, quem sabe, guiá-los até o final, levando-os a uma reflexão profunda e transformadora.