O personagem mais famoso de Truffaut é seu alter ego Antoine Doinel, cujo filme de estreia, Os Incompreendidos, foi aplaudido de pé no Festival de Cannes de 1959, inaugurando a Nouvelle Vague. A história narra Antoine Doinel ainda criança, e o personagem é um alter ego do próprio diretor e sua infância difícil, marcada pelo distanciamento dos pais até viver em um orfanato.
O filme posterior é um curta, Antoine et Colette, que mostra um amor em puberdade de Antoine e sua tentativa de perder a virgindade. Beijos Proibidos é o segundo longa, que mostra Antoine já crescido, recém-saído do Exército. Ele foi adotado pela família Darbon e encontrou seu amor, Christine Darbon, refletindo a própria relação de Truffaut com seu mentor na época da Cahiers du Cinéma, o lendário crítico de cinema André Bazin, que o adotou como filho e exerceu enorme influência intelectual e criativa sobre ele.
O filme seguinte, Domicílio Conjugal, que é o meu predileto da série, mostra a vida dos dois como casados e até a infidelidade do marido, que culmina na separação. O último filme, e o mais fraco, é O Amor em Fuga, em que, descompromissado e já separado, Antoine Doinel vai pulando de galho em galho, de mulher em mulher, em busca do amor, mas esse lhe foge. Até a Colette do início de sua vida ele reencontra.
Apesar da bela trilha sonora composta por Alain Souchon, L’Amour en Fuite, o filme é mais fraco, talvez refletindo a própria tristeza que é uma vida sem amor e prazeres efêmeros e sem a magia de um casal que chegou a se relacionar na vida real, entre Jean-Pierre Léaud e Claude Jade.
Mas o que faz o amor fugir, na minha opinião, são vários motivos, mas talvez o principal, que é o que traz o desencantamento, é a covardia motivada pela falta de confiança em si.
A ousadia e a confiança, por outro lado, aceitar que o amor envolve riscos, a coragem é o que define o amor para os corajosos e, claro, a singularidade da pessoa também, sua raridade. Ninguém quer o que é banal, comum. O desejante é algo que chama atenção, o que ninguém tem.
Portanto, uma mulher que é balzaquiana, agir feito uma infantiloide, apagar sua conta demonstrando o menor respeito pela nossa amizade e ingratidão pelas nossas mensagens de apoio e o tempo que gastamos para escrevê-las, é decepcionante e faz o amor fugir. Para essas pessoas, o amor se comporta como nos versos de Drummond:
“Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca,
às vezes sara amanhã.”
Mas para fazer surgir o amor tem que ter ousadia, como já dizia Ovídio no livro A Arte de Amar: aqueles que sabem dançar, que dancem; aqueles que tenham braços bonitos, que não andem com blusas longas; quem tenha voz bonita, que se ponha a cantar.
É como diz a música composta pela femme fatale Chrissie Hynde, que com certeza era ousada, traduzida na música Brass in Pocket, sobre o poder de sedução feminino:
Gonna use my arms
(Vou usar meus braços)
“Gonna use my legs
(Vou usar minhas pernas)
“Gonna use my style
(Vou usar meu estilo)
“Gonna use my sidestep
(Vou usar meu gingado)
“Gonna use my fingers
(Vou usar meus dedos)
“Gonna use my, my, my imagination”
(Vou usar minha, minha, minha imaginação)
“Cause I’m gonna make you see
(Porque eu vou te fazer ver)
“There’s nobody else here
(Que não há mais ninguém aqui)
“No one like me
(Ninguém como eu)
“I’m special, so special
(Eu sou especial, tão especial)
“I gotta have some of your attention, give it to me”
(Eu preciso ter um pouco da sua atenção, me dê isso)
Letra deliciosa e instigante, dá até pra sentir a presença ousada da compositora, uma coisa meio Alline Danielle de sedução. Esses versos mostram o poder da sedução feminina, a autoconfiança e a determinação de ser notada e desejada. A música toda tem um tom quase desafiador, de alguém que sabe o que quer e não tem medo de ir atrás.
E é isso que instiga, que faz surgir o amor. Não a fuga. Convenhamos, algumas pessoas falam que não postam por falta de tempo ou sem inspiração, ou apagam sua conta por birra, mas temos que considerar que o motivo seja mais simples: falta do que dizer, talvez, falta de conteúdo. Simplesmente por isso, a falta de confiança e a previsão de que o encantamento acabaria se fosse descoberto, então a pessoa prefere a fuga a enfrentar o amor com coragem e valentia, em vez de usar as armas que tem para vivê-lo, para brigá-lo, para seduzir.
Tudo bem a mulher não ser muito bonita nem inteligente. Mas toda mulher tem algo especial, cada uma à sua maneira, e tem algo que é seu, exclusivo. Por isso, eu gosto de falar que toda mulher é poeta. E cabe a cada uma se reconhecer para usar isso em benefício próprio, para conquistar. E saber seu valor e não se entregar para qualquer um. Pecar para verdadeiramente quem merece seu pecado. Mas algumas mulheres se preocupam com um cacto quando podem ter um poço inesgotável de água fresca só para si.
A pessoa a quem dediquei meu amor, inclusive, também preferiu a fuga? Talvez também seja pelos mesmos motivos? Falta de segurança em si? Congelou sua conta e não posta nada por não ter nada interessante a dizer, não propriamente por receio de mim? Não ter conteúdo? Não sei!
Ora, eu, por outro lado, continuo escrevendo, verborragicamente até, enquanto cuido do corpo e da mente e discorro sobre assuntos diferentes, multifacetados. Não é possível que eu fale e escreva tanto, fazendo ilações e citando obras, enquanto a outra pessoa, que se julga foda, uma pessoa intocável, ache que eu sequer sou digno de sua amizade no Instagram, talvez por achar que eu não seja merecedor e que não tenha nada a aprender.
Mesmo assim, eu continuo demonstrando meu amor e cometendo o suicídio com outras pessoas que se interessam por mim, pois a mulher que eu mais desejo comer entre todas é essa. E uso essa linguagem como forma hiperbólica para mostrar meu desejo, e não é falta de respeito. Embora ela seja aparentemente mais recatada, mais princesinha, uma dama respeitável, eu não quero saber. Eu a amo sem medidas, e o amor não conhece essas etiquetas e termos, embora eu soubesse tratá-la como uma donzela, e irei, como o bom cavalheiro que sou. Mas eu quero poder dizer, com todas as letras, que desejo e quero comer e ter só pra mim a mulher que tanto amo durante todo esse tempo!
Eu disse que só aceito amizade feminina com benefícios, mas, ao mesmo tempo, só aceito que meu amor seja minha melhor amiga. Também sei que o sexo e o prazer são muito melhores com alguém que se ama de verdade, embora eu jamais tenha vivido isso.
Ora, eu já me relacionei com patricinhas, como o príncipe que sou. Talvez na aparência parcial de sapo ou de fera, esperando o amor e beijo certo para transformar-me.
Na época do inglês, cheguei a frequentar a casa de uma cujo sobrenome é Rebotini, cujo ex-namorado foi até jogador da base do Palmeiras, que morreu tragicamente em um acidente de carro, e o pai tinha até uma lancha. E também já fiquei com mulheres sofisticadas, também com o oposto, é verdade. Mas sei reconhecer meu momento, e, hoje em dia, que cuido de mim, da minha mente e corpo, não me relaciono mais com qualquer uma. Não faço mais caridade. Porém, eu acho que eu nunca me apaixonaria por alguém que machucasse a última flor do Lácio.
Não me levem a mal, quem gosta de mim, pelas duras palavras, mas eu só quero o amor e não tenho tempo para brincadeiras e criancices.
E, para dar um trecho otimista, deixo os versos do Drummond, do mesmo poema já mencionado:
Mas isso é só pra quem gosta de cinema e sabe valorizar a poesia, como eu.