Rock e música eletrônica são uma combinação que vai bem, igual a coca e limão, praia e caipirinha, tequila, sal e limão. Uma banda que exemplifica muito bem essa união é The Rapture. O álbum deles, In the Grace of Love, é uma verdadeira obra-prima. Quero ressaltar a faixa “I Miss You”. Gosto da dicotomia que a letra relata: um sentimento de falta do objeto amado, contrastando com o ritmo alegre e saltimbanco que a música possui. O ápice sonoro é justo no trecho mais triste:
Sonhos desfeitos e rostos quebrados,
Broken dreams and broken faces.
Eu corri todas as corridas mais sombrias,
I've run all the darkest races.
Saia de mim, respeite o que eu digo,
Get out of me, respect what I say.
Saia de mim, você me ouviu todos os dias,
Get out of me, you heard me every day.
Ah, como eu sinto sua falta,
Oh, how I miss you.
Eu sinto sua falta lá,
I miss you there.”
Os americanos precisam de três palavras para descrever esse sentimento de falta por algo que está ausente, enquanto nós, brasileiros e portugueses, temos a palavra “saudade”, que descreve esse sentimento em uma só palavra. É uma palavra tão charmosa que dizem que só existe no nosso idioma, evocando a ausência de algo ou alguém, de um lugar, de um sentimento ou estado, ou até mesmo de algo que nunca foi vivido.
Carlos Drummond de Andrade reflete sobre a ausência:
“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.”
Drummond transforma a saudade em uma forma de presença, um sentir interno daquilo que já não está fisicamente.
Um dos poemas mais famosos sobre saudade é Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, que fala da nostalgia por um lugar distante:
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.”
Na obra O Tejo, Fernando Pessoa retrata a saudade do rio que corta Lisboa:
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”
O poema reflete sobre a saudade de sua aldeia e da ideia de pertencimento e identidade, elementos que moldam quem somos no presente.
No Soneto de Fidelidade, Vinícius de Moraes menciona a saudade de forma tocante:
“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto…”
Ele enfatiza a dedicação e a presença constante no amor, como se já antecipasse a saudade que poderia vir com a ausência.
“Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
Vinícius reconhece que o amor pode acabar, mas, enquanto existe, deve ser vivido com total entrega. A saudade, nesse contexto, surge como uma consequência inevitável da intensidade do amor vivido.
Já na música brasileira, Adriana Calcanhotto expressa a saudade na canção “Palpite”:
“Tô com saudade de você
Debaixo do meu cobertor
De fazer suspiros, de fazer amor.”
Os versos trazem uma saudade física, quase palpável, do contato íntimo com a pessoa amada.
A saudade sempre remete a uma época boa. O que dói na saudade é a dor da ausência, não a saudade em si.
Durante bom tempo, essa minha página existiu por conta da saudade e para exprimir o quanto uma pessoa fazia falta na minha vida.
Mas, em quatro anos de página e mais de 500 textos, sinto que fracassei, pois não fui capaz de mostrar para essa pessoa que sou digno de confiança e que mereço sua companhia. Eu queria que ela me conhecesse melhor e que não tivesse nada a temer. Pelo contrário, eu poderia propiciar a ela os momentos mais envolventes de prazer. Porém, o fato dela não me querer na sua vida demonstra mais sobre ela do que sobre mim.
Existe outra palavra em inglês chamada dare. Há um clipe do Gorillaz em parceria com o insano Shaun Ryder, o inconsequente líder do Happy Mondays, uma das bandas expoentes do British pop, que reflete a importância da ousadia — que seria a tradução em português de dare.
É bom notar que a ousadia não tem nada a ver com sexualidade ou o modo de uma pessoa se vestir para chamar atenção, mas sim com a postura corajosa de conhecer a si mesmo e ter confiança em si.
Por exemplo, uma garota que admiro muito e que com certeza é ousada, ao contrário dessa pessoa que mencionei, fez questão de me seguir na rede social, me considerando talvez digno de confiança de sua amizade e de um relacionamento, mostrando confiança em si mesma. Essa atitude partiu dela, o que mostra ousadia.
A pessoa para quem criei a página, pelo contrário, ameaçou chamar a polícia e advogados, quando eu tentei entrar em contato com ela pela mesma rede social, o que revela uma diferença de visão de mundo entre as duas.
Na conquista e no enamoramento, é importante saber ouvir e conhecer a pessoa que se deseja conquistar. No entanto, eu, particularmente, não me concentro nesse aspecto, pois os sentimentos de outra pessoa são algo que não podemos controlar.
Desde o estoicismo, já aprendemos que devemos nos concentrar em nossas próprias ações e naquilo que podemos controlar.
Por isso, quando quero encantar, conquistar ou seduzir alguém — como queiram chamar — eu me concentro mais em mim mesmo, na confiança nas minhas próprias qualidades, e em mostrar minha raridade e diferença em relação às demais pessoas que, em contraste, podem parecer banais.
E se eu me concentro em cuidar de mim, no meu conteúdo, na minha aparência e na construção de mim como uma obra de arte, essas qualidades sempre permanecerão comigo, mesmo que o amor passe.
O que tem valor, como diz Nietzsche, não precisa ser demonstrado.
Ou como diz Angelus Silesius:
“A rosa não tem porquê, floresce porque floresce.”
E tanto a rosa quanto a poesia não têm porquê, razão de existir, são um inutensílio, como chamava Paulo Leminski.
Eu posso não escrever poesia no sentido tradicional, mas o que escrevo é a poesia. Eu sou a própria poesia.
Ou como Leminski expressou:
Fazia poesia
e a maioria saía,
tal a poesia que fazia.
Fazia poesia
e a poesia que fazia
não é essa
que nos faz alma vazia.
Fazia poesia
e a poesia que fazia
tinha tamanho família.
Fazia poesia
e cada tábua que caía
doía no coração.
Fazia poesia
e fez alto em nossa folia.
Fazia tanta poesia
que ainda vai ter
poesia um dia.