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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

O AMOR em tempos de FACEBOOK

Capítulo 1: Introdução ao Tema

Nos próximos episódios do Recanto das Letras, aqui na minha página, estava previsto um texto sobre a saudade e a diferença entre a palavra em português e o inglês "I miss you"; um esboço filosófico sobre a metafísica da linguagem, que chamaria o prazer que a língua pode propiciar; e outro texto sobre os artistas com quem você gostaria de sair na vida real. Mas passei por cima de todos para falar sobre o amor em tempos de Facebook, ou melhor, em tempos de redes sociais, em tempos líquidos, ou amor líquido, para expressar um termo designado por Bauman. O texto propositalmente remete ao título de "Amor nos Tempos de Cólera".

 

Capítulo 2: O Amor em Tempos Líquidos

 

No romance, Florentino Ariza passa a vida inteira esperando por Fermina Daza, alimentando uma paixão inabalável que atravessa décadas. Enquanto ela vive os altos e baixos de um casamento convencional com o respeitável Dr. Juvenal Urbino, ele se entrega a incontáveis amantes, mas sem nunca esquecer sua verdadeira musa. Quando finalmente a viu viúva, já curvada pelo tempo, com os cabelos prateados e a pele marcada pelos anos, ele percebeu que o desejo que o consumira desde a juventude ainda ardia – mas o corpo de sua amada não era mais o mesmo. Seus seios, outrora firmes e altivos, agora estavam murchos e flácidos, e sua carne carregava o peso das décadas vividas.

 

E, no entanto, foi nesse encontro tardio, entre corpos já desgastados, que a paixão reprimida encontrou sua consumação. García Márquez nos mostra que o amor verdadeiro exige paciência infinita e que, quando chega, pode não vir no auge da juventude e do vigor, mas ainda assim se manifesta com a mesma força arrebatadora. A beleza e a sensualidade não residem apenas na perfeição da carne, mas na intensidade da entrega e no tempo que lapida os sentimentos, tornando-os imortais.

O amor em tempos de redes sociais ocorre através da tela fria de um computador ou de um smartphone. Aplicativos disponibilizam parceiros e escolhem seus pretendentes como se fossem uma vitrine de uma loja ou um catálogo de restaurantes. A escolha é muito estetizada, baseada em aparências, fotos, descrições e nos estereótipos, na marca que a pessoa transmite.

 

Em um texto recente, eu me contradisse, dizendo uma vez que meu modo de vestir reflete minha personalidade e, depois, talvez para agradar uma pessoa, afirmando o oposto: que o modo de vestir não quer dizer nada sobre sua personalidade ou valores. Mas claro que tem! Achar que não é uma reflexão de senso comum, como bem apontou a Flora.

 

Capítulo 3: A Influência dos Estereótipos

Os estereótipos e a maneira como a pessoa se apresenta e é percebida socialmente não definem quem ela é, mas passam uma mensagem para as pessoas. Os estereótipos servem, justamente, para que antes de a pessoa se pronunciar, já saibamos mais ou menos o que esperar dela, como abordá-la numa conversa ou mesmo como um mecanismo de proteção. Se você vê alguém maltrapilho, é uma resposta até subconsciente de você evitá-la, não aceitar algo que ela ofereça, não por preconceito, mas por proteção instintiva.

 

Do mesmo medo que baratas e ratos geram sentimentos negativos pelo risco que eles apresentam e doenças fisiológicas por onde habitam, nosso corpo, inconscientemente, aprende a temê-los. Graças ao estereótipo, uma pessoa pode evitar um assalto ao desviar-se de alguém suspeito, ou um estupro, ou entrar em um tumulto de briga generalizada, como de torcidas. Então, os estereótipos, embora sejam relativos quanto a uma pessoa, exercem papel fundamental socialmente e biologicamente na proteção dos indivíduos.

 

Mas é preciso ter cuidado: quantos estelionatários não se vestem impecavelmente, justamente por saber do poder dos estereótipos? Ou maltrapilhos, como era Sócrates e os filósofos cínicos, que ocultavam uma enorme sabedoria.

 

Capítulo 4: Um Caso Alarmante

Uma notícia que me escandalizou foi a de uma jovem que conheceu um rapaz pelo aplicativo: bonito, forte, musculoso, daqueles com barba boa aparência, bem apresentado. Os dois saíram, tomaram café, e ela concordou em ir para a casa dela, julgando conhecê-lo, talvez pelos estereótipos. Chegando lá, ele a drogou para que não dormisse, abusou dela de todas as formas possíveis e colocou música alta para ocultar os gritos. Só depois de três dias de abuso, e ela sem dormir, ele foi descoberto e preso!

 

Esse é um exemplo do risco do mau julgamento e do perigo dos amores em época de aplicativo, principalmente para o lado mais vulnerável, que é o das mulheres. Bauman chama justamente esse período de amor líquido por ele ser mais baseado na aparência, julgamentos estéticos, e não por construção de valores, responsabilidade afetiva e criação forte de vínculos.

 

Capítulo 5: Minhas Experiências nas Redes Sociais

Agora, passando da teoria para um exemplo prático, eu nunca fui popular nas redes sociais. Quer dizer, eu só adicionava as pessoas que realmente conhecia. Enquanto as pessoas tinham 500 amigos, eu tinha menos de 100. E meus posts, só quem curtia ou comentava eram amigos próximos ou meninas que claramente gostavam de mim e não sabiam como dizer isso ou chegar diretamente em mim. Nesse sentido, eu me identifico com o Recanto das Letras, que é o único espaço interativo virtual que eu posso ser encontrado atualmente, a minha única rede social. Aqui também, só quem interage comigo são meus amigos e quem eventualmente possa sentir algo por mim e não saiba como dizer ou chegar em mim. Mas alguns dos meus posts eram tão criativos e bons que furavam a bolha da minha rede social e viravam memes.

 

Lá para os idos de 2010 a 2014, eu usava o Twitter com um perfil anônimo, onde postava mais humor e frases criativas e espirituosas. Aquele meu amigo da PUC, que me apresentou a coca, por minha influência, também criou uma conta. Como ele era muito engraçado e criativo, se tornou muito popular na rede, com mais de 100 mil seguidores. Ele me retuitava e eu fiquei conhecido também. Ele criou outros perfis que ficaram famosos, como “Perguntas Yahoo”, satirizando perguntas do Yahoo, muitas das quais eu mandava e faziam muito sucesso, virando memes.

 

Por exemplo, uma pergunta que eu criei: “onde exatamente fica essa baladinha monstra que todo mundo fala pra eu ir?”. Era costume, na época, o pessoal escrever a hashtag “partiu baladinha monstra”. Ele tinha outro perfil sobre termos buscados em sites pornográficos, mas satirizando, que eu acho que era “frases transa”, ou algo assim.

 

E no Twitter havia uma espécie de panelinha de pessoas do mesmo perfil que só postavam humor e se retuitavam, criando uma espécie de grupo. Eles se reuniam em uma padaria, que foi apelidada de “padoca”, que ficava numa travessa da Augusta com a Paulista. Ele foi convidado e me chamou. Eu fui algumas vezes, inclusive com a namorada dele, que era ciumenta na época. Conheci muita gente interessante, inteligente, mais ligada às artes, com gosto parecido com o meu, e a gente bebia cerveja em pé na calçada mesmo e dava boas risadas. Algumas aventuras eróticas também. Conheci uma designer de interiores incrivelmente sexy e intrigante, minha ex-professora de inglês, entre outras aventuras.

 

Meu colega, como o fluxo era cheio e o dono da padoca não tinha controle, roubava cerveja direto do refrigerador escondido, mas o pessoal não gostava muito dessa atitude dele. No entanto, bebiam porque sempre frequentavam o local e não queriam queimar seus filmes. Era o point do encontro. É um caso de relações de redes sociais que extrapolam as redes e viram reais.

 

Capítulo 6: Interações e Surpresas

Voltando ao Facebook, uma pessoa que sempre curtia e comentava meus posts era a minha professora de inglês na época do trabalho. Ela inclusive vivia me citando para os amigos, mostrando meus posts para eles, como eu era engraçado e criativo. Já na época surgiam rumores de que ela tinha um crush por muitos alunos que dava aula. Não era meu tipo; ela era gordinha, acima do chubby. Embora não fosse bonita, não dá para dizer que era feia. Era descolada e tinha muitas tatuagens.

 

Então, quando eu saí da empresa, ela entrou em contato comigo pelo Facebook e disse que poderia ir comprar maconha com ela em um lugar que eu conhecia na Liberdade. Fomos no carro dela e, já no caminho, fumamos um baseado. Ela me relatou sobre o período em que morou com uma mulher que era obcecada por ela, que enquanto ela dormia, ficava a observando com olhos vidrados de tão apaixonada. Chegando na biqueira, como o local é degradado, com vários moradores de rua e viciados, ela, bem vestida, decidiu voltar para o carro, e eu fui lá comprar a maconha para nós dois.

 

De posse das coisas ilegais, ela perguntou se eu não queria parar em um barzinho e beber algo. Aceitei. Detalhe: antes de irmos, ela já tinha me convencido a beber juntos perto do trabalho, e bem na hora, dois colegas nos viram juntos e já entenderam, tacitamente, que eu deveria estar comendo a professora. Mas ainda não era o caso. Agora, invertendo essa ideia de que o homem é que conquista, quando eu saí com ela, estava com zero chances, passando na minha cabeça, de ser um encontro, que eu ficaria com ela ou algo do tipo. Porém, no segundo barzinho, a conversa esquentou, e estávamos discutindo o filme “Olhos Bem Fechados”, de Kubrick, que tem orgias. Ela disse que tinha curiosidade de ir para uma casa de swing, mas que antes tinha que se preparar.

 

Ela inexplicavelmente sempre sexualizava o assunto da conversa mais do que eu. Na hora de ir embora, ela disse que queria ir para casa, mas não queria ir na casa dela compartilhar um baseado. Como eu não tinha nada melhor para fazer, fui. Fui entrando na conversa, e, quando me dei conta, já tinha passado a noite inteira com ela. Tudo organicamente, envolvido pelo fluxo, a conversa, a simpatia dela.

 

Mostrei a foto dela para meu amigo J., e ele disse que eu tinha coragem, não por ela ser gordinha, mas porque ele tinha curiosidade. Certamente, até hoje, é a mulher mais cheinha com quem já fiquei, e até procurei repetir a experiência porque gostei. É diferente, pois há muita abundância, se é que me entende. Mas ela mostrou que usava a língua bem, não só para falar inglês.

 

Capítulo 7: Reflexões Finais

Eu não sei qual a objetividade ou sentido ou relação com o texto que essa história tem ou se eu queria só confessar mais um pecado, mas esse eu fui induzido pela língua. Fui seduzido, igual à erva pela serpente, e ela me tragou. Como uma mulher decidida, ela botou na cabeça que queria ficar comigo e ficou mesmo! Falam que quando a mulher quer sair com o objetivo de dar, ninguém segura; agora, se o homem pretende o mesmo, se arruma todo e pensa: “hoje eu vou passar o rodo em todas”, a probabilidade de ele sair sem ninguém é muito grande. Enquanto a mulher sempre consegue seu objetivo.

 

E isso, na época de redes sociais, é bem mais fácil, principalmente para mulheres, mas pode resultar em perigo, como o exemplo que eu dei da jovem dopada. Então, é bom tomar cuidado. Esses são amores em tempos de redes sociais: líquidos, como água, mas também como os fluidos do corpo expelidos no momento do prazer, no gozo ou orgasmo.

 

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 01/02/2025
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