Irreversível. As palavras, uma vez ditas, não voltam atrás. Hoje minha fábula foi reduzida a pó, meu faz de conta, a nada. Como alguém pode jogar uma história de oito anos na crueldade e frieza de uma frase para viver uma vida vazia, superficial, sem amor verdadeiro? Talvez por conta da emoção, de rótulos ou até de ciúmes. Eu não vou conseguir entender.
A verdade é que o amor-paixão, como escreveu a Diva (apelido que faz justiça a ela, porque verdadeiramente ela é uma diva), é uma doença, uma condição patológica. Projetamos, muitas vezes, no outro nossa imagem idealizada, narcísica, e, quando o dia a dia e a convivência frustram nossas expectativas, o amor foge, e o castelo desmorona. É o que eu vivi.
Na verdade, a pessoa que me motivou a criar essa página não existe, pessoal. Ela é fruto da criação de um poeta, da minha idealização de romance e de mulher. É fruto da minha verve artística. É uma idealização do mundo das ideias de Platão. A pessoa real é uma sombra. E essa sombra é de uma pessoa que recebeu a melhor educação, estudou nos melhores colégios e não sabe que o verbo “haver” não flexiona e que “haverão” não existe. Uma pessoa incapaz de elaborar uma ideia mais complexa, que vive cercada por um mundo de superficialidades, cujo anseio maior é conforto, segurança, paz, equilíbrio, evitar a dor e o sofrimento.
Desde criança, ela vive num conto de fadas, uma vida esterilizada em que não tinha contato com a pobreza, apenas a via pelo vidro do carro blindado de seu pai ou nos pacientes, mas deve usar álcool em gel logo após o atendimento. Deve ser por isso a falta de empatia que ela tem. E essa é o primeiro requisito para ser um bom médico, então, para mim, ela nunca será uma boa médica!
E, como evita a dor, também nunca será artista, poeta ou criadora. Na verdade, a vida que ela leva é a personificação do que Nietzsche chamava de “últimos homens”. Mas o amor que eu sentia me impedia de ver. Hoje, contrariando a razão, tentei entrar em contato e, como previu meu amigo J., ela me bloqueou no Instagram. Mandei um e-mail dizendo que nada havia mudado entre nós, e ela respondeu que não queria contato e que, caso contrário, acionaria a polícia e advogados.
Ela prefere conversar e ter contato com os amigos médicos dela do que comigo. Chega a ser cômico, se você comparar quem sou com as pessoas que ela deve conhecer. E ela abriu mão de tudo isso, de quatro anos de dedicação, em troca de quê? Pior que eu amava de verdade. E a verdade é que, obviamente, ainda amo.
É possível que eu sofra alguns dias, mas eu já passei por muita coisa, tenho experiência e repertório cultural para lidar com isso. Sou atraente, tanto fisicamente quanto intelectualmente. Sou educado e interessante. Trabalho na área da saúde, e eu conheço o nível médio dos médicos. A maioria sequer lê jornais ou revistas, manda áudios para não ter que escrever. E é esse mundo que ela escolheu viver.
Então, é aqui que nossas vidas se distanciam. Mas a mensagem dela, apesar de ter me deixado triste, de ter tirado meu apetite (ainda não comi), foi como uma libertação. Sinto-me mais livre desse grilhão que eu carregava, dessa responsabilidade afetiva. Agora sou livre e caí na realidade. Tive a venda retirada dos olhos.
E, diferente de Dom Quixote, que tomou consciência da sua loucura só no momento da morte, eu estou no meu auge intelectual, físico e de aparência. E adeus, para alguns, pode ser um convite para outras. E que essas outras não se sintam segunda opção. O que eu sentia era amor cego, platônico, e não havia cálculo. Mas, agora, estou liberto. É minha aurora.
Assim como Zaratustra tomou consciência de que não devia andar com mortos e deveria pregar para vivos, eu procuro a companhia dos vivos, de gente real, de carne e osso, para lidar com a solidão que é a condição do ser humano. E estou feliz com isso.
É uma pena que eu nunca tenha namorado. Mas eu imaginava que com ela eu ia casar, que ela era minha alma gêmea, a parte que me faltava. Tudo ilusão. Criação do fantástico mundo de Dave le Dave.
Pior que eu tenho vocação para ser fiel a uma só mulher, a mulher que eu escolher amar para toda a vida. Minha companheira de vida!