Ventos, levem pra longe de mim de mim o pudor e o recato! Sou discípulo direto de Ovídio, e a arte que esse poeta era perito — o amor e o prazer — eu também triunfarei! Ovídio cantava o amor e o prazer e com maestria, de forma sublime, reveladora e ousada a um só tempo. E não apenas com a pena e a língua; esse poeta sabia como satisfazer uma mulher. Assim pretendo ser eu.
E, inspirado pela maneira direta de Montaigne, que admitia ter um pinto pequeno em seus ensaios, ou pela franqueza com que Santo Agostinho narra em suas Confissões como suplicou a Deus: “Faze-me santo, mas não nesta noite”, enquanto bebia cerveja nas sapatilhas das dançarinas de boates, eu escreverei este texto.
Tenho um instinto polêmico e transgressor por natureza. Mas, se a transgressão for vazia, ela se perde em puro sensacionalismo. Para que a transgressão seja arte, é necessário um certo grau de conscientização. Não falo da politização da arte nem da arte como veículo político; a arte transcende a política. Ela é, antes de tudo, um movimento estético. Ainda acredito na arte pela arte.
Claro, não sou um Pasolini ou um Fassbinder, mas ontem falei de pedofilia. Escrevi sobre como o sexo é linguagem, como resumiu poeticamente a Flora. Toquei no tabu do sexo anal. E hoje falarei sobre o prazer onanista: a masturbação. Sobretudo a feminina, que às vezes parece envolta em mistério, ao menos para nós, homens.
Começarei pelo mito de Onã, figura da tradição bíblica, condenado por Deus por praticar o coito interrompido, recusando-se a engravidar a viúva de seu irmão, como era costume na época. Essa história deu origem à associação de seu nome com a masturbação, que por séculos foi vista como algo pecaminoso. Hoje, sabemos que a narrativa é mais complexa e carregada de simbolismos sobre a responsabilidade sexual, mas ainda assim, o mito de Onã perpetuou uma visão moralista sobre o prazer solitário.
No cinema, o tema da sexualidade e da solidão tem sido explorado em diferentes culturas e perspectivas. Um exemplo marcante é o projeto Destricted (2006), que reúne curtas-metragens de cineastas renomados, cada um abordando o sexo sob um prisma único. Entre os destaques está Balkan Erotic Epic, de Marina Abramović, que mergulha nas práticas e crenças eróticas dos Bálcãs, misturando mitologia e rituais com uma estética provocativa e surreal. Outro curta, We Fucked Alone, de Gaspar Noé, é um retrato cru da solidão sexual. Noé apresenta um jovem cuja amante é uma boneca inflável, explorando o isolamento emocional e o vazio das conexões humanas. Sua estética visual, marcada por tons neon e ângulos inquietantes, como sempre, transforma o grotesco em algo hipnotizante, um estilo que só ele domina.
Outro filme que guardo na memória é Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual (2011), de Gustavo Taretto. Nesse filme argentino, a protagonista, Mariana, vive uma solidão profunda, mesmo rodeada por multidões em Buenos Aires. Em um momento de introspecção, ela utiliza um manequim para se masturbar, uma cena que simboliza sua busca por conexão em meio à desconexão. O filme é um ensaio visual sobre isolamento nas grandes cidades, narrado com poesia e delicadeza, enquanto reflete sobre como lidamos com o amor e o desejo em tempos de urbanização e tecnologias que prometem proximidade, mas frequentemente entregam apenas solidão.
Agora, chego ao meu próprio caso. Sinceramente, vivo entre dois mundos: o da representação — das artes, da erudição, da cultura — e o da vontade — dos prazeres, instintos e desejos. Vivo entre os sonhos de Apolo e o entorpecimento de Dionísio. Pela dedicação às atividades intelectuais, penso pouco em sexo. Contudo, meu passado de adicto me levava ao pecado de Baco, a uma hipersexualização proporcionada pelo entorpecimento, que me colocou em risco algumas vezes. Ainda assim, disso extraí prazer e experiência.
Estou satisfeito com meu histórico sexual, mas sou um fracasso no amor! Já revelei: em toda minha vida, só amei duas pessoas. Nunca tive um namoro sério. Pessoas passaram, experiências se somaram. Fui empresário precoce, com dinheiro para gastar, o que chamava atenção, somado à elegância que sempre me foi característica. Não sou o Brad Pitt, mas também não sou feio. Com charme, educação e um repertório cultural, tive alguns prazeres efêmeros. Quando discotequei na Augusta, rua mais movimentada de São Paulo, fui apresentado ao mundo das drogas, do pecado e da perdição. O DJ, no meio de indicações musicais, sempre atrai olhares.
Com a proliferação de aplicativos de relacionamento, é difícil não arrumar um par, mesmo que apenas para um prazer momentâneo. Contudo, nesses aplicativos, os parceiros são dispostos como numa vitrine ou num cardápio à la carte. Com um gesto ou um toque no “x”, descarta-se o que não interessa. Daí o conceito de “amor líquido”, de Bauman.
Foi no trabalho, aos 16 anos, que uma mulher bem mais velha me ensinou o termo “P.A.” — “pinto amigo”. Ela dizia que muitas mulheres tinham seus P.A.s para momentos de desejo, uma espécie de amizade colorida. Minhas leitoras podem confirmar essa informação. O termo “P.A.” feminino talvez corresponda aos “contatinhos” masculinos.
Agora, quero falar não da consumação do sexo, mas de como lidar com sua ausência. Platão define o desejo como falta. Sentimos desejo daquilo que nos falta, daí o desejo por sexo. A masturbação masculina é vista como natural. Urologistas chegam a recomendá-la para a prevenção do câncer de próstata. Já a masturbação feminina ainda carrega certo tabu, mesmo com a venda crescente de brinquedos eróticos, dildos e outros acessórios para essa prática.
Uma vez, questionei a um amigo o que as mulheres pensam enquanto se masturbam. Será que, como os homens, visualizam cenas eróticas ou figuras desejáveis? Um amigo defendeu que, para muitas mulheres, a masturbação é como uma massagem, sem pensamentos direcionados a alguém. A tese dele faz sentido.
Não é segredo que minha vizinha, desde criança, gostava de mim. Talvez, ao me ver sempre muito bem arrumado, com garbo e elegância, tenha chamado a atenção de alguém em tenra idade, que, ao despontar para os prazeres do mundo e da beleza, desenvolveu sentimentos platônicos por mim.
O mais irônico é que ela se correspondeu com a pessoa que me inspirou a criar esta página. Quero narrar um episódio: nunca a observei, mas o quarto em que eu jogo videogame fica de frente para o banheiro dela. Certo dia, enquanto tomava banho, ela fez questão de limpar a fumaça do vidro do box propositalmente para que eu a observasse da minha janela, e percebi, implicitamente, que estava se “masturbando”. Uma das mãos repousava no alto, em deleite, enquanto a outra segurava um chuveirinho, direcionado às suas partes íntimas. Era evidente o prazer que ela sentia com a água quente. Uma cena que misturava o prazer do relaxamento, da masturbação e, talvez, da exibição. Se a pessoa para quem criei esta página estiver lendo e ainda se corresponder com minha vizinha, e quiser comprovar a veracidade dessa história, fique à vontade. Não tenho por que inventar. E, sim, ela era adolescente. Mas eu estava jogando videogame e não tive como não notar; foi uma infração culposa, sem dolo da minha parte.
Uma vez, um colega me contou, perplexo e constrangido, que encontrou um pênis de borracha na gaveta da mãe. Ela era casada com o pai dele e tinha até uma tatuagem no cóccix com as iniciais do marido, gravada como símbolo de paixão. A descoberta o deixou em choque, misturando desconforto e um tipo de curiosidade inquietante sobre a intimidade dos próprios pais.
Quando fiquei internado, passei seis meses sem sequer pensar em sexo. Naquele lugar horrível, repleto de homens, muitos se aliviavam pensando nas poucas mulheres disponíveis, como enfermeiras e psicólogas. Algumas, admito, eram atraentes. Uma delas, por exemplo, era uma mulher madura, mas muito sexy para a idade — uma verdadeira MILF. Mesmo assim, meu pudor jamais me permitiria algo assim. Como diz Wesley Safadão eu sou 99% anjo, perfeito, mas aquele 1% é vagabundo!
Por fim, deixo as perguntas: como as mulheres veem a masturbação? Como tabu, libertação ou relaxamento? Como lidam com a ausência de um parceiro ideal ou com o desejo sexual? Platão dizia que o desejo é falta. Como as mulheres lidam com essa falta? Minha tentativa de entender o desejo feminino deixa mais dúvidas do que respostas. Para mim, o desejo da minha parceira é mais importante do que o meu próprio — porque eu nunca nasci mulher.