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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

ROMEU E JULIETA É UMA HISTÓRIA DE AMOR?

No senso comum, temos a tendência de pensar em Romeu e Julieta como uma grande história de amor, de um amor incondicional que supera todos os obstáculos, inclusive a oposição das famílias, apesar da tragédia que acomete os amantes no final. Mas será que é, de fato, uma ode à paixão e um elogio a esse sentimento por parte de Shakespeare? Ou seria uma crítica, um reflexo de sua época, afinal, trata-se de uma tragédia? Como é uma peça com mais de 400 anos, haverá spoilers – e, se você ainda não conhece o desfecho, lamento por você. Ao final, chegarei à conclusão se a obra é um elogio ou uma crítica ao amor-paixão arrebatador, comparando-a ao romance epistolar Nova Heloísa, de Rousseau.

 

O começo da história já mostra como o amor-paixão pode ser volátil. Romeu está absolutamente apaixonado por Rosalina e, subitamente, ao ver Julieta, filha dos Capuletos, esquece Rosalina completamente. A partir daí, nunca mais ela é mencionada na trama. Shakespeare parece questionar: será que uma instituição fundamental para a sociedade, como o casamento, pode se basear em um sentimento tão volátil quanto o amor-paixão, sujeito a mudanças repentinas, como amar uma pessoa em um momento e, de repente, amar outra? E o que dizer da criação de filhos em um casamento baseado em emoções tão efêmeras?

 

No meu texto A Revolução do Amor, discuto como nossa sociedade moderna evoluiu do conceito de casamento arranjado pelas famílias, que era um contrato destinado a preservar bens e alianças entre elas, para a ideia de casamento com alguém que se ama, motivado pelo sentimento de paixão. Por isso, antigamente havia uma distinção clara entre “marido”, o parceiro formal, e “amante”, a pessoa com quem se mantinha um relacionamento extraconjugal – muitas vezes, o verdadeiro objeto de amor. Na época de Shakespeare, a figura do amante era quase oficial, especialmente nas classes mais altas.

 

Voltando à trama: como se sabe, os pais de Julieta e Romeu são contra o casamento porque os Montéquios e os Capuletos são inimigos mortais – como se fossem, na nossa realidade, bolsonaristas e lulopetistas. Além disso, Julieta já estava prometida a Páris, um jovem de boa posição social, escolhido por sua família. O nome de Páris, curiosamente, remete ao personagem mitológico responsável por uma grande tragédia: foi ele quem, ao escolher Afrodite como a mais bela das deusas, ganhou Helena como prêmio e desencadeou a Guerra de Troia. De certa forma, Páris, em Romeu e Julieta, também é o gatilho da tragédia.

 

Para evitar o casamento com Páris, Julieta recorre ao Frei Lourenço, que lhe dá uma poção capaz de colocá-la em um sono profundo, simulando sua morte. Romeu deveria ser informado do plano, mas a mensagem não chega a tempo. Ele, ao encontrar Julieta aparentemente morta, não suporta viver sem ela e toma veneno. Quando Julieta desperta e vê Romeu morto, ela se apunhala com o punhal dele. Assim, ambos se reúnem no que poderia ser chamado de “paraíso dos amantes eternos”.

 

Já em Nova Heloísa, Heloísa se apaixona por seu preceptor, Saint-Preux, encantada por sua inteligência e sensibilidade. A paixão entre eles é arrebatadora, e os dois vivem um romance intenso. Contudo, a diferença social os separa, e Heloísa é obrigada a aceitar um casamento arranjado com Wolmar, um homem rico. Apesar de continuar amando Saint-Preux, Heloísa admite que leva uma vida tranquila ao lado do marido, criando seus filhos em harmonia e encontrando certa felicidade, mesmo sem um amor verdadeiro por ele.

 

A reflexão que essas duas obras trazem é uma crítica profunda ao amor-paixão. Shakespeare e Rousseau parecem sugerir que uma instituição tão importante quanto o casamento não pode se basear em algo tão volátil e irracional. O amor-paixão pode ser arrebatador, mas também é efêmero, e, como em Romeu e Julieta, muitas vezes conduz à tragédia. Já o casamento arranjado, embora careça de paixão, é uma convenção social mais estável, guiada por interesses e responsabilidades. Quem quiser experimentar o amor-paixão, que o faça com um amante – algo que vemos repetidamente na literatura, como em O Retrato de Dorian Gray, onde personagens como Basil Hallward e Lord Henry têm relações marcadas pela transgressão e pela busca por prazeres proibidos. Se Julieta tivesse se casado com Páris, como seus pais desejavam, ela não teria morrido. É possível que ela encontrasse, se não a felicidade plena, ao menos uma vida harmônica e equilibrada ao lado dele, sustentada por um contrato social. Romeu, igualmente, estaria vivo e talvez até mantivesse um caso amoroso com Julieta. Quem sabe, no contexto da época, os dois pudessem se tornar amantes – amantes eternos, mas vivos.

 

Por fim, Romeu e Julieta deixa um alerta: amar requer mais do que paixão; exige compromisso e reciprocidade. Romeu, que era loucamente apaixonado por Rosalina e a esqueceu no instante em que viu Julieta, nos mostra como o amor pode ser impulsivo, mas também inconstante. Será que estamos dispostos a construir algo duradouro e sólido ou seguiremos reféns de amores líquidos e passageiros?

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 18/01/2025
Alterado em 18/01/2025
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