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DAVE LE DAVE
SIM, ELE MESMO
Textos

A Estética do Vazio: A Busca pela Beleza na Era do Hiperconsumo.

Gilles Lipovetsky, filósofo e sociólogo francês contemporâneo, se destacou por suas análises sobre as sociedades pós-modernas, especialmente no contexto do individualismo, do consumo e da cultura. Seus trabalhos exploram temas como a transformação dos valores, o hedonismo, o hiperconsumo e o impacto do capitalismo na subjetividade humana. Em um momento de capitalismo e individualismo, marcado pela perda de valores transcendentais como religião, ideologias políticas e valores absolutos, surge um novo tipo de indivíduo que busca prazer e autossatisfação através do consumo dos produtos oferecidos pelo mercado capitalista. Este cenário fomenta a competitividade entre as pessoas, o que as torna cada vez mais individualistas. Lipovetsky chama essa tendência de hiperconsumo e define nossa era como hipermodernidade.

 

Em seu livro A Era do Vazio, Lipovetsky reflete sobre o vazio existencial causado pela perda desses valores transcendentais. No entanto, ele enxerga nesse cenário a maior liberdade do ser humano em poder expressar a si mesmo e dar sentido à sua vida. Essa busca por significado pode ser encontrada na moda ou na contemplação da beleza, como ele explora em O Império do Efêmero: A Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas (1987). Lipovetsky analisa a moda como um símbolo da modernidade, que se caracteriza pelo efêmero e pelo desejo constante de novidade. O autor introduz o conceito de hiperconsumo, no qual as pessoas consomem não apenas por necessidade, mas para afirmar suas identidades, desejos e valores. A moda, nesse contexto, é vista como uma metáfora para a pós-modernidade: fluida, individualista e em constante transformação, algo que remete ao conceito de “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman.

 

Lipovetsky observa que a moda, no seu contexto contemporâneo, se tornou um fenômeno autônomo, não mais restrito à aristocracia ou à elite social, mas acessível a uma ampla parcela da população. A forma de se vestir passou a ser uma maneira de se expressar, de comunicar ao mundo quem se é, antes mesmo de falar. Essa característica de expressão individual e até artística da moda reflete a busca por autenticidade e diferenciação pessoal através do consumo de roupas e acessórios. Além disso, Lipovetsky destaca a democratização da moda, como ela se tornou acessível a diversos níveis sociais, refletindo uma mudança nas estruturas de classe e no modo como os indivíduos buscam se afirmar.

 

No entanto, Lipovetsky também observa a aceleração do ritmo das transformações, com tendências que surgem e desaparecem rapidamente, como os memes da internet. A moda reflete a superficialidade da sociedade contemporânea, onde as aparências desempenham um papel central, mas também pode ser vista como um campo de criatividade e um meio de expressão, ajudando os indivíduos a se situarem em um mundo instável e incerto. Nesse contexto da importância crescente da estética e da moda, Lipovetsky, em parceria com Jean Serroy, escreveu A Estetização do Mundo: Viver na Era do Capitalismo Artista, no qual argumenta que a estética se tornou um elemento central na vida cotidiana, profundamente entrelaçado ao capitalismo moderno.

 

Lipovetsky observa que, no capitalismo contemporâneo, a estética deixou de ser um campo exclusivo da arte e passou a permeiar todos os aspectos da vida cotidiana. Produtos, serviços e experiências não são mais moldados apenas pela funcionalidade, mas também pela busca pela beleza, emoção e prazer sensorial. O design de produtos como celulares e outros aparelhos eletrônicos, antes focados em suas funcionalidades, passou a ser uma preocupação central. Por exemplo, Steve Jobs, ao criar o design do iPhone 4 e outros produtos da Apple, uniu estética e funcionalidade, revolucionando a maneira como entendemos a tecnologia. No contexto da arte e do design, Lipovetsky também analisa a incorporação de artistas pelo capitalismo, como aconteceu com Andy Warhol, que foi chamado a criar a embalagem das famosas latas de sopa Campbell. Esse movimento deu origem ao conceito de estética kitsch, a arte de massa popular que, muitas vezes, é vendida como sofisticada e refinada. Um exemplo disso pode ser observado nas obras de Romero Britto, cujos quadros são frequentemente exaltados, apesar de serem considerados por alguns como uma forma de kitsch, onde o “belo” é acessível, mas comercializado de maneira exagerada e superficial.

 

Esse fenômeno de “capitalismo artista” que Lipovetsky descreve, é um estágio do capitalismo em que criatividade, design e inovação estética assumem papéis centrais na valorização de bens e serviços. Não se trata apenas de vender produtos, mas de criar experiências sensoriais e simbólicas que atraem os consumidores. Exemplos disso podem ser vistos na arquitetura ousada de edifícios corporativos, no design de smartphones e na forma como restaurantes oferecem experiências gastronômicas únicas. A estética, antes restrita a um pequeno círculo de elites, foi amplamente democratizada. Hoje, as massas têm acesso a bens e serviços que atendem a padrões estéticos elevados, como a moda fast-fashion e o design de interiores acessível.

 

No entanto, Lipovetsky não deixa de criticar o superficialismo que a estetização pode gerar, apontando a busca incessante por novidades e beleza como um fator que impulsiona o consumismo rápido e descartável. Produtos e tendências perdem relevância com rapidez, alimentando uma cultura de obsolescência. Na ausência de grandes narrativas ou valores transcendentais, como os religiosos ou políticos, a estética se tornou uma forma de dar sentido ao mundo contemporâneo. O “belo” passa a ocupar o espaço deixado por essas ideologias, assumindo uma função quase espiritual.

 

Lipovetsky reconhece que a estetização do mundo é paradoxal. Por um lado, ela enriquece as vidas, proporcionando beleza e prazer; por outro, intensifica o consumismo, promove a superficialidade e reforça desigualdades, já que o acesso a experiências estéticas superiores ainda depende do poder aquisitivo. Essa crítica também é abordada em seu livro O Capitalismo Emocional, onde Lipovetsky analisa como o capitalismo contemporâneo não vende apenas produtos, mas também emoções e experiências, utilizando publicidade, marketing e design para criar a ilusão de que consumir é o caminho para a felicidade.

 

Em sua obra A Era da Sedução, Lipovetsky fala sobre como a sedução, antes relacionada a aspectos eróticos e íntimos, permeia agora a política, o consumo e a comunicação. Todos tentam seduzir e manipular o consumidor.

 

Lipovetsky defende que, na modernidade líquida, os valores morais não desaparecem, mas se tornam mais flexíveis e adaptáveis. Em vez de se submeter a códigos morais rígidos, as pessoas desenvolvem uma ética baseada em escolhas pessoais e responsabilidade individual. A contemplação e valorização da beleza e da estética, seja através da arte ou em si mesmo, desde que não fira princípios éticos, nesta era de incertezas, para mim, com o respaldo de Lipovetsky, tenho certeza, seria uma boa resposta pela busca de viver bem e pela busca de autenticidade nesta época de hipermodernidade e pós-modernidade em que vivemos.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 18/01/2025
Alterado em 18/01/2025
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