A desigualdade entre os homens talvez seja uma das constatações mais evidentes: social, intelectual ou física. Basta uma breve navegação pela página inicial do Recanto das Letras, lendo os textos ali disponíveis, para encontrar níveis variados de cultura, escolaridade, aprendizado, sofisticação, visão de mundo, tolerância, religiosidade e pluralidade. O Recanto das Letras é, afinal, um microcosmo que reflete o macrocosmo social do Brasil, com sua etnia multifacetada, fruto de uma rica miscigenação cultural.
No Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Rousseau argumenta que, enquanto vivia em seu estado de natureza, o homem era igual e vivia em relativa harmonia. Contudo, ao transitar do estado de natureza para o estado de propriedade privada, quando alguém reivindicou um pedaço de terra e declarou “isso me pertence”, surgiu a desigualdade. O mais forte passou a prevalecer, e o equilíbrio foi quebrado.
O surgimento da propriedade privada levou à competição e ao domínio dos mais ricos ou mais fortes sobre os mais fracos. Nesse contexto, Rousseau introduz a ideia do contrato social: um acordo pelo qual os indivíduos se unem para formar uma comunidade política baseada na vontade geral. Nesse pacto, todos renunciam à liberdade natural — a de agir conforme seus próprios desejos — em favor da liberdade civil, que permite viver sob leis que ajudaram a criar. O objetivo do contrato social é estabelecer uma sociedade em que a soberania pertence ao povo, e as leis refletem o interesse comum de todos os cidadãos.
O contrato social é o mecanismo que impede que o mais forte prevaleça injustamente sobre os mais fracos. Em vez de uma sociedade regida pela força ou pela riqueza, Rousseau propõe uma comunidade governada por leis e igualdade, garantindo direitos e deveres iguais a todos. Como ele afirma em O Contrato Social (1762):
“O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, se ele não transformar sua força em direito e a obediência em dever.”
No Brasil, sociólogos como Gilberto Freyre, em obras como Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, destacam que a desigualdade entre brancos e negros é uma herança do passado escravocrata. Sendo o último país a abolir a escravidão, o Brasil não implementou políticas adequadas para integrar os escravos libertos à sociedade. Eles foram abandonados à própria sorte, e seus descendentes formaram as favelas devido à ausência de políticas públicas eficazes para essa transição. Freyre também identifica nos sobrados e mucambos um reflexo arquitetônico e simbólico da Casa-Grande e da Senzala.
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, aborda o conceito de “homem cordial”, muitas vezes interpretado erroneamente como hospitalidade. Na verdade, Holanda se refere à tendência brasileira de agir com o coração em vez da razão, o que influencia tanto a política quanto as relações sociais.
A socióloga Edivania Patrícia, em um brilhante artigo, O complexo de vira-lata, cita Nelson Rodrigues e sua ideia do “complexo de vira-lata” — o sentimento de inferioridade cultural que faz o brasileiro desvalorizar sua própria identidade e cultura em favor da estrangeira. Inicialmente influenciado pela França durante o Brasil imperial, e posteriormente pelos Estados Unidos, esse complexo foi reforçado pela globalização e pela democratização do consumo de produtos culturais, como séries e filmes, em detrimento da riqueza cultural brasileira.
Pierre Bourdieu analisaria esse fenômeno como um exemplo de violência simbólica, um processo pelo qual os dominados internalizam hierarquias culturais que desvalorizam o local em benefício do estrangeiro. No Brasil, isso se manifesta em um habitus moldado pela história colonial, que naturaliza uma percepção de inferioridade em relação aos padrões eurocêntricos. Segundo Bourdieu, a violência simbólica age não apenas no coletivo, mas também na consciência individual, perpetuando a desigualdade social por meio do capital cultural.
Esse capital, transmitido de geração em geração, encontra nas instituições — escolas e universidades — um instrumento que privilegia aqueles que podem acessá-lo, reforçando as desigualdades. Por exemplo, alunos que recebem boas notas em matemática podem ser filhos de pais físicos, que já lhes transmitiram um conhecimento prévio, enquanto jovens de contextos menos favorecidos enfrentam dificuldades. O mesmo ocorre com alunos de redação cujos pais são intelectuais, em comparação aos que não têm esse ambiente de estímulo. Assim, o capital cultural perpetua de forma invisível a desigualdade, muitas vezes legitimada pelo discurso da meritocracia.
Além das desigualdades sociais e intelectuais, também existem diferenças físicas. Segundo teorias modernas, há diversos tipos de inteligência, como a inteligência espacial, que permite a atletas como Ronaldinho Gaúcho, Pelé, Maradona e Messi brilharem em seus ofícios, sendo verdadeiros gênios da bola. Há também inteligência para cálculos, linguagens e outras áreas, que evidenciam a multiplicidade das capacidades humanas.
Assim como há uma diferença entre Michel Phelps e alguém aprendendo a nadar, há uma distância entre mim e Kant quando se trata de pensar. Ou entre um artigo meu e um de Edjar, cujos textos são carregados de hermetismo incompreensível e pedante, enquanto os meus trazem qualidade, inteligibilidade e didática em outro nível. Não há comparação. E assim, por natureza, os homens são desiguais. Mas cabe à organização social criar formas de minimizar essas desigualdades, promovendo uma sociedade em que as diferenças possam ser vistas como enriquecedoras.