Para aqueles que veem nas tragédias do Rio Grande do Sul e, recentemente, de Los Angeles, sinais do fim dos tempos, tenho uma boa notícia: o fim está próximo!
Na verdade, isso é dito desde 476 d.C., quando caiu o Império Romano. A perda de uma civilização tão poderosa gerou um enorme sentimento de desespero e incerteza, com muitos interpretando a queda como um sinal de que o fim do mundo estava às portas. Para muitos, o colapso de Roma significava o fim da ordem mundial e o início de uma era de caos. Desde então, parece que a humanidade vive à espera do juízo final, sempre encontrando novos sinais que apontem para a sua iminência.
Durante as Cruzadas, especialmente no século XII, muitos acreditavam que as batalhas religiosas entre cristãos e muçulmanos cumpriam profecias apocalípticas. O papa Urbano II, ao convocar a Primeira Cruzada, descreveu a luta pela Terra Santa como uma missão divina. Essa atmosfera de fervor religioso e violência foi interpretada como um prelúdio do fim dos tempos. Mas o tão aguardado juízo final não chegou.
Quando a Peste Negra assolou a Europa, entre 1347 e 1351, matando cerca de um terço da população, o pânico coletivo e a crença de que o apocalipse finalmente havia chegado se intensificaram. É um período representado de forma marcante no filme O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, no qual as pessoas usam máscaras terríveis para se protegerem da contaminação e se autoflagelam em busca de autopiedade divina. Parecia que Deus estava castigando a humanidade, mas o juízo final foi adiado mais uma vez.
Na Reforma Protestante, entre 1517 e 1648, as divisões religiosas, as guerras e a instabilidade política também alimentaram temores apocalípticos. Para muitos, as perseguições religiosas e os conflitos como a Guerra dos Trinta Anos eram sinais claros de que o fim estava próximo. Ainda assim, Deus pareceu conceder mais tempo à humanidade.
No século XVIII, o terremoto de Lisboa, em 1755, devastou a cidade, causando a morte de dezenas de milhares de pessoas e levantando questionamentos sobre a bondade divina. O evento chocou profundamente a Europa e foi interpretado como um sinal divino do juízo final. Voltaire, em Cândido, satirizou o otimismo filosófico de Leibniz, ao mostrar Pangloss tentando racionalizar o desastre como algo que aconteceu “da melhor forma possível”. No século XIX, Machado de Assis revisitaria essa ironia com a filosofia de Quincas Borba e seu conceito de Humanitas, sugerindo que tudo, até as maiores destruições, faz parte de um propósito maior. Por isso, no livro, Quincas afirma que: “Pangloss não era tão estúpido quanto Voltaire o retratava” — ironia, de Machado, é claro.
Mais recentemente, a Gripe Espanhola de 1918, que matou cerca de 50 a 100 milhões de pessoas, trouxe novamente o sentimento de que o fim do mundo estava próximo. Combinada aos horrores da Primeira Guerra Mundial, essa pandemia parecia simbolizar a ira divina. No século XX, outros episódios alimentaram os temores apocalípticos: a ascensão de Hitler, interpretado por muitos como o anticristo, as bombas atômicas, a Guerra Fria e o temor de uma guerra nuclear. Mesmo o Bug do Milênio, em 2000, provocou paranoia coletiva sobre o colapso do mundo como conhecemos.
Agora, no século XXI, a pandemia de COVID-19, que tirou a vida de milhões de pessoas, e as recentes tragédias climáticas, como as enchentes no Rio Grande do Sul e em Los Angeles, voltaram a ser interpretadas por alguns como sinais do juízo final. Vivemos em uma era que muitos veem como uma nova Sodoma e Gomorra, aguardando a intervenção divina.
Apesar disso, o que a história nos ensina é que a humanidade não pode contar com milagres para superar os desafios. É pela ciência, pelo conhecimento e pela solidariedade que conseguimos enfrentar pandemias e catástrofes. Avanços como vacinas, células-tronco e tecnologias de construção em áreas de risco são exemplos de como o ser humano pode quase operar milagres. Mesmo assim, há quem prefira o obscurantismo, que adotam teses negacionistas, anti-vacina, rejeitando a ciência e propagando teorias apocalípticas.
Se há algo a aprender com todas essas tragédias, é que a humanidade precisa agir coletivamente para enfrentar os desafios do presente, em vez de se resignar à espera do juízo final. Afinal, o fim pode até estar próximo, mas, até lá, cabe a nós fazer deste mundo um lugar melhor.